O Projeto de Lei (PL) da Anistia, que tramita no Congresso Nacional em 2025, reacende um debate histórico e polarizado no Brasil: a revisão da Lei da Anistia de 1979 (Lei nº 6.683), promulgada durante a ditadura militar.
A proposta, que busca reinterpretar ou revogar os efeitos da legislação para permitir a punição de crimes cometidos por agentes do Estado no regime autoritário, divide opiniões entre parlamentares, juristas, militares e a sociedade civil.
Enquanto alguns veem na iniciativa uma oportunidade de promover justiça de transição e reparação às vítimas, outros alertam para o risco de reabrir feridas e desestabilizar acordos que marcaram a redemocratização.
Segue uma análise dos principais argumentos, dos desdobramentos políticos e das implicações de curto e longo prazo dessa discussão, que promete ser um dos temas mais quentes do ano.
O Contexto Histórico da Lei da Anistia
A Lei da Anistia, sancionada em 28 de agosto de 1979 pelo então presidente João Figueiredo, foi um marco na transição do regime militar para a democracia. Ela concedeu perdão a perseguidos políticos entre 1961 e 1979, permitindo o retorno de exilados como Leonel Brizola e a libertação de presos políticos. No entanto, sua abrangência “de dupla mão” também anistiou agentes do Estado responsáveis por torturas, assassinatos e desaparecimentos forçados, gerando controvérsias que persistem até hoje.
“Foi um pacto necessário para a época, mas que deixou sequelas de impunidade”, afirma Paulo Abrão, ex-presidente da Comissão de Anistia, em entrevista à Agência Brasil.
A legislação foi vista como um passo rumo à pacificação, mas críticos argumentam que crimes contra a humanidade, como os documentados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) em 2014 — que listou 377 responsáveis por violações —, não deveriam ser passíveis de perdão.
O PL da Anistia em 2025: O Que Está em Jogo?
O PL 4519/2024, de autoria da deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), está atualmente em “Situação: Aguardando Despacho do Presidente da Câmara dos Deputados” e é uma das iniciativas mais recentes para revisar a Lei da Anistia. Inspirado em projetos anteriores, como o de Luciana Genro em 2010, o texto propõe que crimes de lesa-humanidade cometidos por militares e civis durante a ditadura sejam excluídos da anistia, permitindo investigações e punições.
Paralelamente, no Supremo Tribunal Federal (STF), três frentes analisam o tema: a ADPF 320 (do PSOL), um recurso do Ministério Público Federal (MPF) sobre a Guerrilha do Araguaia e discussões lideradas pelo ministro Dias Toffoli, que sinalizou audiências públicas para o segundo semestre de 2025.
Os defensores da revisão, como o Instituto Vladimir Herzog, argumentam que a impunidade incentivou atos antidemocráticos, como os de 8 de janeiro de 2023. “A Lei da Anistia é um obstáculo à justiça e à memória”, diz Rogério Sottili, diretor-executivo do instituto.
Já setores militares e conservadores, como o ministro da Defesa José Mucio Monteiro, questionam o objetivo da revisão. “As Forças Armadas fazem ponderações. Qual o propósito disso agora?”, declarou Mucio em fevereiro de 2025, segundo a Folha de S.Paulo.
Argumentos a Favor: Justiça e Memória
Para os apoiadores do PL, a revisão é essencial para alinhar o Brasil a normas internacionais de direitos humanos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em 2010, condenou o país no caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia), afirmando que a Lei da Anistia viola a Convenção Americana ao impedir a punição de graves violações. “Não se trata de revanche, mas de responsabilidade histórica”, defende a historiadora Lúcia Guerra, autora de 40 Anos da Anistia Brasileira.
Organizações como a OAB, que em 2008 ingressou com a ADPF 153 no STF, reforçam que crimes como tortura são imprescritíveis pela Constituição de 1988. Apesar de o Supremo ter rejeitado a ação em 2010 por 7 a 2, a mudança na composição da corte — com ministros como Flávio Dino favoráveis à revisão — reacende esperanças de uma nova interpretação.
Argumentos Contra: Estabilidade e Pacto Social
Do outro lado, opositores da revisão, incluindo militares e parlamentares da direita, alegam que ela rompe o pacto de redemocratização. “A Lei da Anistia foi um acordo amplo, superado pela sociedade”, diz um oficial-general ouvido pela Folha sob anonimato. Para eles, os responsáveis por crimes da ditadura já são idosos ou falecidos, tornando a punição inviável e simbólica.
O senador Humberto Costa (PT-PE), relator do PL 1.068/2024 (que propõe anistia aos envolvidos no 8 de janeiro), também minimiza a prioridade da revisão. “Não vejo apoio na opinião pública nem entre parlamentares para esse debate agora”, afirmou à Gazeta Digital. Já o ex-presidente Jair Bolsonaro, em novembro de 2024, defendeu a “pacificação nacional” ao negociar a vice-presidência do Senado para pautar anistias paralelas, mostrando a politização do tema.
Divisão na Sociedade e no Congresso
Pesquisas recentes, como a do AtlasIntel (fevereiro de 2025), revelam a polarização: 51% dos brasileiros apoiam a anistia aos atos de 8 de janeiro, mas apenas 49% defendem revisar a Lei de 1979, um empate técnico na margem de erro.
No Congresso, o PL da Anistia enfrenta resistência. O líder do União Brasil, Elmar Nascimento, prevê votação só em 2025, com foco no Orçamento: “Não há tempo nem clima político agora.”
A explosão em Brasília em novembro de 2024, investigada como terrorismo, intensificou críticas ao PL que beneficia os atos golpistas, mas também esfriou o debate sobre a ditadura. “Um criminoso anistiado é um criminoso impune”, declarou o ministro Alexandre de Moraes, do STF, reforçando a oposição a perdões amplos.
Implicações e o Caminho Adiante
A revisão da Lei da Anistia pode ter impactos profundos. Juridicamente, abriria precedentes para julgar crimes permanentes, como ocultação de cadáveres. Politicamente, alimentaria a tensão entre esquerda e direita, já evidente nas disputas pelo comando do Congresso. Socialmente, reacenderia o debate sobre memória, verdade e justiça — temas caros às vítimas da ditadura, mas sensíveis em um país dividido.
“É uma luta permanente, não do passado”, destaca Lúcia Guerra. Para Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, o Brasil precisa “apurar os crimes do regime militar sem medo”. Contudo, a resistência institucional, como apontada em seminários da Câmara, e a falta de consenso adiam uma resolução.
Conclusão
O PL da Anistia e a revisão da Lei de 1979 são mais do que questões legais: são reflexos de como o Brasil encara seu passado e projeta seu futuro democrático.
Entre a busca por justiça e o temor de instabilidade, a discussão segue em aberto, com o STF e o Congresso como palcos centrais. Em 2025, o tema continuará a dividir opiniões, desafiando a sociedade a encontrar um equilíbrio entre memória e reconciliação.