Logo após o período de vazio sanitário, em 15 de setembro, é permitido o plantio da soja em Mato Grosso do Sul.
Alguns produtores já começam de forma acelerada, enquanto outros optam pela semeadura a partir de outubro, época esta que é referendada pelo Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) para a maioria das regiões.
No caso desta safra, 2019/2020, não existiam condições adequadas para a implantação da soja na abertura da safra.
Já vínhamos de um final de entressafra seco. Além disso, as chuvas que normalmente ocorrem na segunda quinzena de setembro e início de outubro, não vieram. Sem falar nas elevadas temperaturas.
Nesse período, nas estações agrometeorológicas da Embrapa Agropecuária Oeste, localizadas em Dourados, Ivinhema e Rio Brilhante, foram registradas temperaturas em torno de 40 °C. No início de outubro também ocorreram algumas chuvas de “manga”, conhecidas pelos produtores, em que chove em determinado local, enquanto nas proximidades nem sinal da chuva. Sem falar nas chuvas inferiores a 10 mm, que em solo seco e sob temperaturas altas, podem ocasionar necessidade de replantio devido à emergência irregular das plântulas.
De forma geral, a situação se normalizou a partir do último decêndio de outubro/início de novembro, com ocorrência de chuvas mais generalizadas e de maiores volumes. Quando se pensa no milho safrinha, com certeza muito atraso da soja implica em uma semeadura do milho em época menos favorável. Por outro lado, em se tratando de soja, a “janela” da segunda quinzena de outubro até o final de novembro também apresenta elevado potencial produtivo.
Por isso, o objetivo deste artigo é retratar por meio de simulação o que aconteceu com a produtividade da soja no Centro-Sul de Mato Grosso do Sul, em função desse atraso na semeadura, decorrente das condições climáticas.
Para isso, foram utilizados dados da estação agrometeorológica da Embrapa Agropecuária Oeste, em Dourados. Foi possível calcular a porcentagem de atendimento da demanda hídrica das plantas ao longo do ciclo, além de estimar a porcentagem de redução da produtividade inicial esperada, a qual é estipulada em 90 sacas por hectare. Ou seja, é uma produtividade inicial elevada, pois se leva em consideração que não haverá nenhuma restrição hídrica para a soja. Foi considerada uma cultivar de ciclo precoce, com grupo de maturação 6.4, e que representa boa parte das cultivares utilizadas na região.
Para as simulações de atendimento da demanda hídrica x produtividade esperada, foram consideradas três épocas de semeadura, detalhadas a seguir:
1ª Época – 01/10:
essa data foi determinada para evidenciar um plantio antecipado e que normalmente ocorre em Mato Grosso do Sul, com bons resultados. Para esse ano, as condições eram restritas para implantação e desenvolvimento inicial da soja. Alguns produtores que “arriscaram”, tiveram a necessidade de replantar a área. Outros tiveram estande de plantas reduzido, mas que foi possível dar continuidade à condução da lavoura;
2ª Época – 25/10:
época em que as atividades de semeadura são intensas em praticamente todas as regiões produtoras de soja em Mato Grosso do Sul. Mesmo assim pode haver variações entre produtores. Alguns inclusive têm como objetivo encerrar a semeadura até o último decêndio de outubro. Isso também vai depender da região, tamanho da propriedade rural e quantidade de máquinas disponíveis;
3ª Época – 25/11:
essa data foi determinada para representar as semeaduras tardias que ocorreram no estado, principalmente na região Centro-Sul. Normalmente, a área de soja semeada em novembro é menos significativa. Muitas vezes, devido à necessidade de replantio ou excesso de chuvas. Não faz parte do cronograma inicial da maior parte do setor produtivo semeaduras tardias, ou seja, no fim de novembro, já que existe a intenção de se cultivar o milho em sucessão.
Mesmo apresentando apenas os dados provenientes da estação de Dourados (Figura 1), comportamento parecido foi obtido com o banco de dados gerado pelas estações da Embrapa Agropecuária Oeste localizadas em Ivinhema e Rio Brilhante. Portanto, esse cenário tem boa representatividade para a região Centro-Sul de Mato Grosso do Sul, que concentra mais de 60% da soja cultivada no estado.
A semeadura antecipada (Época 1), de 1° de outubro (Figura 2), evidencia que a demanda hídrica não atendida nas fases iniciais foi a responsável pela diminuição da produtividade esperada.
A partir da fase de formação de vagens/início de enchimento de grãos, as condições foram satisfatórias para o desenvolvimento das plantas.
Vale ressaltar que esse modelo resultou em uma produtividade média final estimada de 50,9 sacas por hectare. De fato, a fase inicial e a de desenvolvimento vegetativo é a mais tolerante quanto à deficiência hídrica. No entanto, essas restrições foram pronunciadas até o início da fase reprodutiva da soja, o que certamente impede a obtenção de produtividades elevadas, pois há considerável abortamento de flores e primórdios de vagens. Nesse cenário, as perdas nas cultivares mais precoces podem ter sido ainda maiores.
A soja semeada na Época 2, em 25 de outubro, também teve limitações quanto ao atendimento da demanda hídrica na fase inicial (Figura 2). Em contrapartida, esse período se estendeu somente até a fase fenológica V2. Isso favorece um maior desenvolvimento das raízes no perfil do solo em busca de água nesse período inicial. A partir dessa fase, em torno de 80% da demanda hídrica das plantas foi atendida. O modelo resultou em uma produtividade média final estimada em 65,2 sacas por hectare.
Produtividades médias podem superarar 70 sacas por hectare
Diversos produtores conseguiram concentrar a semeadura nesse intervalo do último decêndio de outubro e começo de novembro, resultando em relatos de produtividades médias que superaram 70 sacas por hectare. Para esse período, existe uma série de cultivares de soja no mercado com elevado potencial produtivo, diferentemente quando se opta por uma semeadura entre setembro e começo de outubro, em que há menos genótipos competitivos. Além disso, a semeadura de uma soja precoce mais para o fim de outubro também viabiliza uma safrinha de milho com ótimas perspectivas, além de favorecer o escalonamento da semeadura tanto da soja quanto do milho.
A soja com semeadura mais tardia, como na Época 3 (25 de novembro), apresentou elevado potencial produtivo durante maior parte do desenvolvimento das plantas (Figura 2).
A demanda hídrica foi atendida com valores de 90% até a fase inicial de formação de vagens. Na fase seguinte, de enchimento de grãos, os valores ainda eram elevados, ao redor de 80%, o que resultaria em produtividades tão elevadas quanto à época de 25 de outubro. No entanto, cerca de 90 dias após a semeadura, quando as plantas estavam em torno da fase reprodutiva R5.3, o cenário começou a mudar drasticamente, com redução do potencial produtivo decorrente das condições climáticas adversas.
De acordo com a figura 1, fica evidente, a partir do último decêndio de fevereiro, a associação da falta de chuvas com o aumento das temperaturas máximas diárias. Isso teve um grande efeito na produtividade da soja. Deficiência hídrica e/ou temperaturas elevadas nessa reta final resultam em menor massa de 1000 grãos (grãos “chumbinho”) e também na maior incidência de grãos esverdeados, já que não há tempo das plantas degradarem a clorofila presente nos grãos, pois essas acabam inclusive encurtando o ciclo. Após essa fase restritiva, a produtividade média final estimada pelo modelo ficou em 54,4 sacas por hectare. Essa diminuição do potencial produtivo, nessa fase final de desenvolvimento das plantas, nas semeaduras tardias, também corrobora relatos do setor produtivo da região.
De acordo com o último levantamento da Aprosoja/MS, a expectativa é de uma safra recorde de produção de soja em Mato Grosso do Sul, com 10,5 milhões de toneladas, com produtividade média de 55,7 sacas por hectare, o que também se refletiu na região Centro-Sul.
Portanto, após muita preocupação pelo atraso na semeadura da soja, as produtividades foram boas, pois considerável parte da soja foi implantada em época de elevado potencial produtivo, associada às condições hídricas favoráveis para as plantas. Fica claro que a orientação do Zoneamento Agrícola de Risco Climático é o melhor caminho.
Ressalta-se ainda a importância de um bom escalonamento de épocas de plantio, pois cada ano é diferente, a fim de minimizar os riscos da atividade agrícola e, na média, alcançar valores expressivos de produtividade. Tudo isso, é claro, associado a práticas agrícolas conservacionistas e que aumentam o armazenamento de água no solo, como o Sistema Plantio Direto.