Radicado há quase 15 anos em Paraty, o artista plástico araraquarense Lauro Monteiro diverte-se narrando uma passagem que vivenciou com um grupo de artistas na cidade. Lembra que fazia uma manhã “deliciosa” quando todos se posicionaram em ruas do Centro Histórico para desenhar. Entretidos em retratar a belíssima arquitetura colonial, encantavam-se com os reflexos que a água do mar desenhava nas paredes das casas sem perceber o avanço da maré, que em dias de lua cheia invade as ruas próximas ao cais (Paraty foi construída abaixo do nível do mar, por isso às vezes vira uma “Veneza brasileira”). “Resultado: ficamos ilhados. Não corremos nenhum grande risco, mas os mais apavorados foram resgatados por uma canoa!”, diverte-se Lauro.
O artista coleciona histórias assim desde que conheceu, em 2014, o movimento Urban Sketchers, que reúne entusiastas do desenho ao ar livre (leia a respeito mais abaixo). Pouco tempo depois, ele participou do programa Tour da Experiência, de formação em turismo cultural, do Sebrae/RJ, que o estimulou a desenvolver um projeto de atividade para seu ateliê. Inspirado na prática do sketching e também na Missão Artística Francesa (grupo de artistas e artífices franceses do calibre de Jean Baptiste Debret que veio retratar paisagens brasileiras no início do século 19), criou o Sketchtour Paraty Sebrae/RJ – “Caminhos do Brasil Imperial”. Trata-se de um passeio por Paraty com o objetivo específico de desenhar as paisagens preservadas que lhe valeram o reconhecimento, pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), como patrimônio cultural e natural da humanidade.
Deu tão certo que já há alguns anos Lauro vem aceitando agendamentos de grupos de três a cinco pessoas para passeios de três dias, dentro de dois períodos do ano: no primeiro semestre, de 10 janeiro a 10 de abril, e no segundo, de 10 de junho a 10 de setembro. Ele próprio recebe as pessoas, as hospeda nos chalés de seu ateliê, localizado na Estrada Real – Caminho do Ouro (Paraty-Cunha), e as conduz pelos passeios. Os locais visitados são escolhidos entre ruas do Centro Histórico, praias, mar e cachoeiras de Paraty. “Locações ótimas para quem gosta de desenhar a natureza e a beleza da Mata Atlântica, mas também a gastronomia, nos cafés simpáticos localizados nas ruas com pavimento de pedra. São experiências únicas”, garante o artista.
O investimento médio por pessoa (grupos de quatro pessoas) em cada passeio vai de R﹩ 750 a R﹩ 1.100 (cinco), mas podem variar mais, conforme demandas específicas de participantes. Em qualquer caso, resulta em um “delicioso exercício de convivência e arte”, nas palavras do artista plástico.
O movimento
Criado nos Estados Unidos em 2008, pelo jornalista espanhol Gabriel Campanario, o movimento Urban Sketchers começou como um blog (http://www.urbansketchers.org) que conectava entusiastas do desenho de locação. Hoje é uma comunidade global presente em mais de 60 países e com aproximadamente 200 grupos em diferentes cidades do mundo. Sua proposta consiste no encontro dos membros de um grupo para desenhar em um determinado ponto urbano. As obras criadas são compartilhadas pelos membros nos blogs ou páginas de Facebook dos grupos.
O movimento cresceu tanto e tão rápido que virou uma organização sem fins lucrativos, com corpo diretivo e conselho, responsável por realizar os Simpósios Internacionais Sketchers (USk Symposiums). Seus mais de 60 mil membros têm que seguir as diretrizes constantes no Manifesto do Urban Sketcher, que determinam, entre outras coisas, que os desenhos devem contar histórias do dia a dia e dos lugares retratados. “Nós mostramos o mundo, um desenho de cada vez”, é a diretriz que finaliza o documento.
Um exercício do olhar
Lauro Monteiro teve seu primeiro contato com o Urban Sketchers em 2014, quando estava em Portugal para uma exposição individual e participou do 1° Encontro de Desenho de Rua de Torres Vedras – cidade onde até hoje mantém um trabalho com atividades voltadas às artes visuais. Quando, naquele mesmo ano, aconteceu em Paraty o Simposium Internacional de USk, ele concorreu a uma bolsa de participação no evento e ganhou. Iniciaram-se ali as atividades do grupo USk Paraty, do qual Lauro é um dos administradores.
O artista considera o desenho de rua um excelente exercício do olhar, e o Urban Sketchers um dos movimentos mais democráticos que existem atualmente na arte, pois requer só um caderno e algo com o que desenhar e colorir. “Não é preciso papel especial, caríssimos pinceis, cavaletes e tintas famosas. Desenhar o que se está vendo, com seus traços próprios, traz valorização pessoal e autoestima para o artista”, acredita.
Para Lauro, o movimento também valoriza o desenho como expressão artística. Ele pontua que a técnica vivencia hoje um novo conceito: “não precisamos desenhar tudo certinho e definido, pois a fotografia já faz isso há muito tempo. Se duas pessoas estiverem em um mesmo lugar e tirarem fotos ao mesmo tempo, podem obter imagens muito semelhantes. No entanto, se essas mesmas pessoas estiverem desenhando, vão obter resultados completamente diferentes”, exemplifica.
O artista também considera “mágico” desenhar em um caderno – o que ele faz desde o início de sua formação – onde quer que se esteja observando o movimento do mundo. “Este caderno vira – o que os portugueses definem bem – um diário gráfico: a cada página, você sente a emoção daquele momento vivenciado”.