O uso de dispositivos digitais por crianças e adolescentes brasileiros tem atingido níveis inéditos, levantando preocupações entre autoridades e profissionais da saúde mental.
Segundo pesquisa da Comitê Gestor da Internet no Brasil (TIC Kids Online Brasil 2024), 93% das crianças entre 9 e 17 anos acessam a internet diariamente, e 58% passam mais de três horas conectadas fora do horário escolar. O fenômeno tem sido associado ao aumento de casos de ansiedade, distúrbios do sono e dificuldades de concentração.
A discussão ganha destaque neste mês de outubro, quando é celebrado o Dia das Crianças. O tema também coincide com uma nova medida anunciada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública: a criação de uma faixa indicativa a partir de 6 anos para aplicativos.
A portaria assinada pelo ministro Ricardo Lewandowski amplia a classificação indicativa para todos os tipos de apps, com foco na proteção digital infantil e na prevenção da adultização precoce — processo em que crianças passam a reproduzir comportamentos e estéticas adultas, muitas vezes estimuladas por conteúdos inapropriados.
Impactos emocionais e comportamentais
Especialistas alertam que o problema vai além do tempo de exposição. A psicanalista Elainne Ourives afirma que a hiperconectividade afeta diretamente o desenvolvimento emocional das novas gerações.
“A exposição constante a estímulos digitais muda o campo vibracional das crianças. Elas absorvem informações, sons e imagens sem tempo para processar, o que gera ansiedade, agitação e perda de conexão com o próprio corpo e com o presente”, explica.
Segundo ela, o uso excessivo de Tecnologia compromete a capacidade de autorregulação emocional. “O cérebro infantil ainda está em formação. Quando é bombardeado por estímulos de alta frequência — como vídeos curtos, notificações e jogos —, o sistema nervoso entra em estado de alerta permanente. A criança se torna mais impulsiva e menos criativa, porque vive em reação, e não em criação”, afirma.
Riscos físicos e sociais
Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apontam que crianças de 5 a 10 anos representam 17% dos usuários ativos de redes sociais no Brasil, apesar de muitas plataformas exigirem idade mínima de 13 anos. Pesquisas da Sociedade Brasileira de Pediatria também relacionam o uso excessivo de telas ao aumento de casos de obesidade infantil, distúrbios de sono e sintomas de ansiedade.
Convivência consciente com o digital
Para Elainne, o desafio das famílias não está em eliminar completamente a tecnologia, mas em estabelecer uma relação equilibrada com ela.
“A tecnologia pode ser educativa e até terapêutica, desde que usada com presença e propósito. O que precisamos é reeducar o olhar, ensinar as crianças a se conectarem com o que nutre, e não com o que acelera. Desconectar também é um ato de cuidado”, ressalta.
Ela recomenda práticas simples, como pausas digitais após as refeições, momentos de respiração consciente antes de dormir e atividades físicas ao ar livre. Essas ações, segundo a especialista, ajudam a restaurar o encantamento das crianças com o mundo real.
Responsabilidade compartilhada
A nova portaria e o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, aprovado neste ano pelo Congresso Nacional, reforçam a responsabilidade de plataformas digitais e responsáveis legais sobre o ambiente online dos menores. Para Elainne, entretanto, a mudança mais significativa precisa começar no ambiente familiar.
“Não existe algoritmo que substitua o vínculo. A presença dos pais é a maior proteção digital que uma criança pode ter”, conclui.