A Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) condenou nesta terça-feira (16), por unanimidade, o ex-presidente Jair Bolsonaro ao pagamento de R$ 1 milhão em indenização por danos morais coletivos devido a falas de caráter racista proferidas entre maio e julho de 2021, quando ainda ocupava a Presidência da República.
A decisão também responsabiliza a União, que deverá pagar o mesmo valor. Os desembargadores entenderam que as declarações foram feitas com o peso institucional do cargo de presidente, o que atrai a responsabilidade do Estado brasileiro.
Segundo o relator, desembargador Rogério Favreto, o governo poderá ingressar com ação regressiva para reaver os valores diretamente de Bolsonaro.
Contexto jurídico e decisão
A condenação tem caráter civil e não gera efeitos criminais, sendo voltada à reparação do dano coletivo.
O relator classificou as falas do ex-presidente como exemplo de “racismo recreativo”, quando expressões preconceituosas são disfarçadas de humor.
“Trata-se de comportamento que tem origem na escravidão, perpetuando um processo de desumanização das pessoas escravizadas, posto em prática para justificar a coisificação de seres humanos e sua comercialização como mercadoria”, afirmou Favreto.
A decisão reformou sentença de primeiro grau que havia rejeitado o pedido de indenização.
Origem da ação
O caso chegou ao TRF-4 por recurso do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), que atuaram como autores da ação civil pública. Ambos pediam indenização de R$ 5 milhões, mas os desembargadores consideraram o valor excessivo e fixaram a condenação em R$ 1 milhão.
Tanto a defesa de Bolsonaro quanto os autores da ação ainda podem recorrer da decisão.
As falas de Bolsonaro
Os comentários considerados racistas ocorreram em diferentes ocasiões:
- Em frente ao Palácio da Alvorada, durante interações com apoiadores, quando comparou o cabelo de uma pessoa negra a um “criatório de baratas”.
- Em uma live semanal, quando afirmou que um apoiador negro não poderia “tomar ivermectina, vai matar todos os seus piolhos”.
Para o MPF, as falas ultrapassam o limite do humor e configuram discriminação racial, atingindo não apenas os interlocutores diretos, mas toda a população negra brasileira.
Argumentos da defesa
A advogada Karina Kufa, representante de Bolsonaro, alegou que os comentários tinham tom “jocoso”, sem intenção de racismo.
Segundo ela, as falas faziam referência ao comprimento do cabelo de apoiadores, e não às características étnicas. A defesa destacou que as próprias pessoas mencionadas não se sentiram ofendidas e que, portanto, não haveria dano coletivo.
Impacto político e social
A decisão amplia o histórico de processos judiciais envolvendo Jair Bolsonaro, que atualmente cumpre prisão domiciliar determinada pelo STF no caso da trama golpista.
Além disso, reforça a discussão sobre a responsabilidade de autoridades públicas em manifestações de cunho discriminatório, especialmente quando revestidas da autoridade institucional de um chefe de Estado.
Próximos passos
A defesa pode recorrer da decisão junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF). O MPF e a DPU também podem recorrer para tentar ampliar o valor da indenização. Caso confirmada, a União poderá buscar ressarcimento diretamente de Bolsonaro.
O caso marca um precedente relevante no enfrentamento ao racismo no Brasil, ao reconhecer a gravidade de falas públicas feitas por altas autoridades e reafirmar a responsabilidade civil tanto do indivíduo quanto do Estado diante de manifestações discriminatórias.