Em uma decisão histórica, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL) a 27 anos e 3 meses de prisão por liderar uma trama golpista para tentar reverter o resultado das eleições de 2022 e permanecer no poder.
A condenação, alcançada por maioria de 4 a 1, representa a primeira vez na história do Brasil em que um ex-chefe de Estado é considerado culpado por tentativa de golpe de Estado. Votaram pela condenação os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Apenas Luiz Fux votou pela absolvição.
Além de Bolsonaro, outros sete aliados também foram condenados por envolvimento no esquema: Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Acusações e Condenação
A Procuradoria-Geral da República (PGR) acusou Bolsonaro de:
- Liderar uma organização criminosa armada;
- Tentar abolir violentamente a ordem democrática;
- Praticar golpe de Estado;
- Causar danos ao patrimônio da União e a bens tombados.
Todos os réus negaram as acusações. Apesar da pena ter sido fixada em regime fechado, Bolsonaro não será preso imediatamente. Pela lei brasileira, a execução só começa após o chamado trânsito em julgado, quando não há mais possibilidade de recursos.
Próximos Passos: Recursos e Publicação do Acórdão
O próximo passo é a publicação do acórdão, documento que formaliza os votos e a decisão dos ministros. Esse processo pode levar até 60 dias, mas pode ser antecipado, como ocorreu em 2023, quando a decisão que tornou Bolsonaro réu foi publicada em apenas 15 dias.
Após a publicação, a defesa terá cinco dias para apresentar recursos. O primeiro é o embargo de declaração, que serve para apontar contradições, omissões ou erros. Embora não altere o mérito da decisão, pode atrasar a execução da pena.
Os embargos infringentes, que poderiam levar o caso ao plenário do STF (com os 11 ministros), não se aplicam, pois são aceitos apenas quando há pelo menos dois votos pela absolvição — e apenas Fux divergiu.
A defesa também pode recorrer a pedidos de habeas corpus, alegando idade ou questões de saúde, para tentar converter o regime fechado em prisão domiciliar.
Em nota, os advogados de Bolsonaro classificaram a pena como “absurdamente excessiva e desproporcional” e anunciaram que irão recorrer, inclusive a instâncias internacionais.
Prisão e Execução da Pena
Caso a decisão seja confirmada, Bolsonaro deverá iniciar a pena em regime fechado, possivelmente em uma unidade da Polícia Federal. Ainda assim, não está descartada a possibilidade de ele cumprir pena no complexo penitenciário da Papuda, em Brasília.
A experiência do julgamento do Mensalão (2013) mostra que o trâmite pode ser rápido. Naquele caso, os embargos de declaração foram julgados em cerca de um mês, e réus como José Dirceu começaram a cumprir pena logo depois.
Atualmente, Bolsonaro já cumpre prisão domiciliar em Brasília, mas em outro inquérito, relacionado às atividades de seu filho Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos.
Consequências Políticas e Inelegibilidade
A decisão do STF também determinou inelegibilidade de oito anos para sete dos oito condenados, incluindo Bolsonaro.
Ele já estava inelegível desde junho de 2023, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o condenou por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Essa punição já o afastava das urnas até 2030.
Agora, com a condenação no STF, a inelegibilidade se estende: Bolsonaro só poderia voltar a disputar eleições em 2062, após o cumprimento da pena. Na prática, sua carreira eleitoral está encerrada.
Isso terá reflexos imediatos nas eleições de 2026. Impedido de participar, Bolsonaro não poderá atuar em campanhas de aliados. Pesquisas atuais apontam vantagem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), enquanto nomes da direita como Michelle Bolsonaro, Tarcísio de Freitas e Ratinho Júnior surgem como alternativas.
O Debate da Anistia
A decisão reacendeu no Congresso o debate sobre uma possível lei de anistia, defendida por parlamentares do PL.
Existem duas correntes:
- A ampla e irrestrita, que incluiria não apenas manifestantes do 8 de janeiro, mas também os condenados como líderes, incluindo Bolsonaro — podendo até restaurar sua elegibilidade;
- A restrita, limitada aos participantes dos atos de depredação, sem beneficiar articuladores. Essa versão teria mais chances de avançar politicamente.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), será decisivo. Ele pode acelerar a tramitação, mas demonstra cautela para evitar choques institucionais com o Judiciário. Já o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), descartou pautar a anistia “sob pressão política”.
A condenação de Jair Bolsonaro representa um marco inédito na democracia brasileira. Ela reafirma o papel do STF como guardião das instituições e redesenha o futuro político do país nas próximas décadas.