As recentes decisões do Poder Judiciário que determinaram a extinção de recuperações judiciais consideradas abusivas ou sua conversão em falência indicam um movimento mais rigoroso no controle desses processos.
A medida busca coibir o uso indevido do instituto, mas levanta preocupações sobre o impacto em empresas que, apesar de viáveis, enfrentam dificuldades reais.
Segundo especialistas em direito empresarial, o endurecimento das decisões tem origem na constatação de que parte das companhias tem recorrido à recuperação judicial de forma oportunista, apenas para ganhar tempo com o stay period e evitar a execução de dívidas, sem atender aos requisitos legais mínimos. Essa prática, afirmam, compromete a credibilidade do sistema e prejudica quem age de boa-fé.
Risco de punição a empresas em crise real
O endurecimento, porém, pode atingir também empresas viáveis, que enfrentam dificuldades momentâneas ou falhas pontuais de gestão. De acordo com especialistas, a Lei nº 11.101/2005 já oferece instrumentos suficientes para distinguir casos de má-fé de situações legítimas de reestruturação financeira.
A preocupação está na aplicação apressada de sanções — como extinção do processo ou decretação de falência — antes de uma análise adequada da viabilidade econômica.
“Extinguir sumariamente uma recuperação por vício sanável ou mera formalidade corrigível não contribui para a preservação de empregos nem para a função social da empresa”, alerta o advogado Meisson G. Eckardt, especialista em insolvência empresarial.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reforçado que a decisão sobre a viabilidade de um plano de recuperação deve caber à assembleia de credores, e não exclusivamente ao Judiciário, conforme entendimento expresso no AgInt-REsp 2107336-SP, relatado pelo ministro Marco Aurélio Bellizze.
Governança e transparência: pilares da credibilidade
Para Eckardt, há uma diferença clara entre fraude deliberada e desorganização administrativa, e cabe ao Judiciário calibrar sua resposta a cada caso.
Ele defende que o fortalecimento da governança corporativa, com auditorias, relatórios periódicos e comitês de acompanhamento, é essencial para evitar distorções e garantir segurança ao processo.
“A transparência com credores e com a administração judicial deixou de ser boa prática para se tornar uma questão de sobrevivência processual”, observa o advogado. Segundo ele, o pedido de recuperação judicial precisa ser instruído com contabilidade consistente, documentação completa e estratégia clara para cumprimento das obrigações pós-deferimento.
Planos de reestruturação mais técnicos e verificáveis
Os especialistas destacam que os planos de recuperação devem se transformar em instrumentos de gestão verificáveis, com cronogramas, metas e indicadores de desempenho definidos.
Quando cada compromisso tem responsável, prazo e métrica objetiva, a confiança dos credores aumenta e as disputas judiciais diminuem.
Esse modelo de acompanhamento permite que juízes, administradores e credores monitorem a execução do plano em tempo real, reduzindo incertezas e fortalecendo o ambiente de negociação. “Mais do que um documento jurídico, o plano precisa funcionar como um guia de execução compartilhada da crise, baseado em dados e não apenas em narrativas”, explica Eckardt.
Firmeza e proporcionalidade: o ponto de equilíbrio
O sistema de recuperações judiciais, apontam os especialistas, precisa alcançar equilíbrio entre firmeza e proporcionalidade. O objetivo central da recuperação é preservar valor econômico e social, salvando empresas viáveis, protegendo empregos e organizando pagamentos de forma mais eficiente que a falência.
“É possível coibir abusos sem sufocar reestruturações legítimas. Quando o controle é firme e justo, a recuperação judicial cumpre seu propósito: reconectar empresas à sua capacidade de gerar empregos e riqueza, devolvendo previsibilidade ao mercado de crédito”, conclui Eckardt.




















