Uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (24) indica que pessoas negras seguem sobrerrepresentadas em todas as etapas do sistema de justiça criminal do Rio de Janeiro, especialmente nos processos relacionados à Lei de Drogas. O estudo “Engrenagem Seletiva: o Tratamento Penal dos Crimes de Drogas no Rio de Janeiro”, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), analisou 3.392 casos registrados entre 2022 e 2023.
Segundo o levantamento, 69% dos acusados e 77% dos condenados por crimes ligados à Lei de Drogas são negros. Na composição geral do sistema, negros representam 58% das pessoas processadas. A pesquisa aponta que essa proporção aumenta conforme o processo avança.
Outro dado relevante é a oferta de transação penal — acordo que evita a abertura de processo criminal nos casos de menor potencial ofensivo. Pessoas negras têm 43% menos chances de receber a proposta em comparação com brancos. Entre os beneficiados, 60,8% são brancos.
Território e seletividade
A pesquisa também observa que o local da ocorrência influencia significativamente os resultados judiciais. Cerca de 76,5% das sentenças condenatórias mencionam favelas ou comunidades; o índice sobe para 79,3% quando o território é controlado por facções criminosas.
Nos casos de tráfico e associação para o tráfico, as abordagens ocorrem majoritariamente em áreas pobres. Já no porte para consumo pessoal, apesar de as abordagens acontecerem em bairros de maior renda, os detidos são, em sua maioria, moradores de regiões de baixa renda.
Segundo os pesquisadores, a porta de entrada para o sistema costuma ser a abordagem policial. Em 42% dos registros de uso de drogas, a justificativa é “comportamento suspeito”; em 41%, não há alegação registrada. Nos casos de tráfico, predominam denúncias anônimas e alegações de suspeita.
Racismo estrutural e decisões judiciais
Para os autores, os dados evidenciam um padrão de racismo estrutural. De acordo com o sociólogo Ignacio Cano, da UERJ, a proporção de réus negros aumenta à medida que o processo avança, e eles tendem a ser acusados de crimes mais graves.
O estudo destaca ainda a influência da Súmula 70, segundo a qual o depoimento policial pode ser suficiente para embasar decisões. Pesquisadores afirmam que a referência à súmula em sentenças eleva a probabilidade de condenação.
A pena média aplicada também varia conforme a raça: réus brancos recebem, em média, 810 dias de pena, enquanto negros chegam a 1.172 dias.
Tipos de droga e imputações
A substância apreendida interfere no enquadramento inicial. A maconha aparece em 59,6% dos casos de uso, enquanto a cocaína está presente em 79,5% dos casos de tráfico. Conforme a imputação, mudam as chances de denúncia: 94% dos acusados por tráfico ou associação acabam denunciados pelo Ministério Público.
Metodologia e instituições envolvidas
A pesquisa analisou todos os casos de porte para consumo registrados entre 2022 e 2023 e uma amostra representativa dos processos por tráfico e associação julgados pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). O estudo foi realizado pelo CESeC, com apoio do Instituto Betty e Jacob Lafer, em parceria com grupos de pesquisa da UFRJ e da UERJ.
Os autores defendem que os resultados revelam um padrão de seletividade penal marcado por raça, classe social e território, que influencia desde a abordagem policial até a sentença.
Com informação agência Brasil.




















