O governo federal tenta costurar um acordo para alterar pontos centrais do Projeto de Lei Antifacção, relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), que deve ser votado nesta quarta-feira (12) na Câmara dos Deputados. As negociações se concentram em dois temas principais: o papel da Polícia Federal no combate ao crime organizado e o uso da Lei das Organizações Criminosas, em vez da Lei Antiterrorismo, como base para o endurecimento das penas contra facções.
Segundo integrantes da base governista, a intenção é evitar que o texto final abra brechas para interpretações internacionais que possam associar o Brasil a países que abrigam grupos terroristas.
“Nós somos favoráveis a aumentar as penas, mas não pela Lei Antiterrorista. Os prejuízos econômicos seriam enormes”, afirmou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), citando preocupações levantadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O parlamentar exemplificou que fundos de investimento estrangeiros, como o Fundo Soberano da Arábia Saudita, possuem cláusulas que proíbem aportes em países com legislação que classifique organizações internas como terroristas.
Autonomia da Polícia Federal
Outro ponto de divergência está nas atribuições da Polícia Federal (PF). O texto inicial de Derrite previa que operações conjuntas entre forças federais e estaduais só poderiam ocorrer mediante solicitação dos governadores — o que gerou críticas de especialistas e da própria PF.
Após pressão, o relator recuou e retirou a exigência, mas incluiu a obrigação de comunicação prévia aos estados sobre operações federais contra o crime organizado. O governo, entretanto, quer preservar a autonomia total da Polícia Federal.
“A PF tem autonomia para fazer as operações que quiser. Isso não pode ser alterado por projeto algum”, reforçou Guimarães.
Divergência jurídica e riscos diplomáticos
O relator do PL, Guilherme Derrite, defende que o texto não equipara diretamente as facções criminosas a grupos terroristas, mas reconhece que algumas práticas produzem “efeitos sociais e políticos equivalentes”.
O governo discorda. O secretário Nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, afirmou à Agência Brasil que “para um país estrangeiro, não haverá distinção”, e que a equiparação simbólica já seria suficiente para gerar repercussões diplomáticas negativas.
“O estrangeiro vai olhar e dizer que o Brasil abriga grupos terroristas”, alertou Sarrubbo.
Votação nesta quarta-feira
As negociações seguem até o fim do dia desta terça-feira (11). Caso haja consenso, o texto será levado ao plenário na quarta (12). O líder do PP na Câmara, Dr. Luizinho (PP-RJ), afirmou estar confiante em um acordo que atenda tanto ao governo quanto à oposição.
“Teremos um relatório equilibrado, acima de tudo, com o Brasil”, declarou o parlamentar.
Entenda o Projeto de Lei Antifacção (PL de Guilherme Derrite)
O chamado Projeto de Lei Antifacção, relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, propõe endurecer as penas e ampliar os instrumentos de combate ao crime organizado no Brasil. A proposta ganhou destaque no Congresso em 2024, após uma série de ataques coordenados de facções criminosas em estados do Nordeste e do Sudeste.
O texto tem como objetivo central enquadrar integrantes de facções, milícias e organizações criminosas em um regime penal mais severo, com penas equiparadas às aplicadas a crimes de terrorismo. O projeto também busca restringir benefícios penais, reforçar a atuação integrada das forças de segurança e tipificar condutas consideradas estratégicas para a manutenção das facções, como o financiamento e o uso de redes ilícitas dentro dos presídios.
Principais pontos do texto original
- Equiparação penal:
- Propõe que as ações de facções criminosas possam ser punidas sob o mesmo rigor da Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016).
- Essa equiparação, porém, é o ponto mais polêmico: o governo e juristas alegam que isso pode permitir interpretações internacionais erradas, associando o Brasil a um país que reconhece “organizações terroristas internas”.
- Coordenação entre forças de segurança:
- O texto inicial determinava que operações conjuntas entre a Polícia Federal e as Polícias Estaduais só poderiam ocorrer mediante autorização formal dos governadores.
- Após críticas da própria PF e de especialistas, Derrite recuou e retirou essa exigência, mas manteve a obrigatoriedade de comunicação prévia aos estados sobre ações federais.
- Regime prisional mais rígido:
- Prevê isolamento prolongado de líderes de facções e monitoramento mais severo de comunicações em presídios de segurança máxima.
- Amplia os instrumentos legais para bloquear bens e ativos financeiros ligados ao crime organizado.
- Ampliação do conceito de organização criminosa:
- Inclui grupos paramilitares e milícias privadas dentro da definição de “facção criminosa”, sujeitando-os às mesmas sanções.
As críticas ao projeto
O governo federal, a Polícia Federal e parte da comunidade jurídica avaliam que o texto de Derrite extrapola o escopo constitucional da segurança pública e ameaça a autonomia da PF, que tem atribuição nacional definida pela Constituição.
Além disso, a tentativa de enquadrar facções pela Lei Antiterrorismo é vista como risco diplomático e econômico, uma vez que fundos internacionais e acordos comerciais poderiam evitar o Brasil sob alegação de que o país abriga grupos terroristas — mesmo que o texto não os classifique “em sentido estrito”.
Especialistas também apontam que a proposta confunde tipificações penais já previstas na Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013), o que poderia gerar insegurança jurídica e sobreposição de normas.
O estágio atual
O projeto foi incluído na pauta da Câmara dos Deputados após acordo de líderes partidários e deve ser votado ainda nesta semana.
O governo negocia ajustes para garantir que o texto final reforce o combate às facções sem comprometer a política externa, a autonomia da PF ou a imagem internacional do país.






















