O mês de outubro marcou um dos episódios mais intensos do mercado de criptomoedas em 2025. O chamado flash crash do dia 10 funcionou como um verdadeiro teste de estresse para o sistema, ao expor o excesso de alavancagem e provocar uma liquidação em massa de posições.
O evento teve três efeitos principais: eliminação de operações frágeis, redistribuição de risco e abertura de novas oportunidades para investidores mais conservadores.
Historicamente conhecido pelo otimismo do “Uptober”, o mês quebrou a tradição neste ano. Após atingir novas máximas acima de US$ 126 mil, o Bitcoin encerrou outubro com leve queda de 0,53%, segundo dados do Coinglass.
O gatilho: guerra comercial e liquidações em massa
O ponto de virada foi o anúncio do então presidente Donald Trump sobre tarifas de 100% nas importações chinesas, no dia 10. A medida intensificou o temor de uma nova guerra comercial, levando investidores a reduzirem exposição a risco. A alavancagem excessiva transformou uma correção pontual em uma queda abrupta.
Em apenas 24 horas, cerca de US$ 19 bilhões em posições foram liquidadas à força, afetando 1,6 milhão de traders. O Bitcoin chegou a US$ 102 mil antes de recuperar parte das perdas e encerrar o dia com queda de 8%, o menor patamar desde junho. Altcoins como Ethereum e Solana registraram quedas de 12% e 16%, respectivamente, com alguns ativos menores recuando até 80% em minutos.
Exchanges sob pressão e resiliência do DeFi
A volatilidade extrema sobrecarregou as corretoras centralizadas, que relataram lentidão e ativação de mecanismos automáticos, como o auto-deleveraging (ADL) — processo que encerra posições vencedoras para cobrir déficits de seguro.
Por outro lado, a infraestrutura descentralizada (DeFi) mostrou robustez. Protocolos de finanças descentralizadas processaram volumes recordes sem interrupções significativas, embora com latência em oráculos. O contraste entre plataformas centralizadas e sistemas permissionless foi um dos aprendizados do mês.
Alavancagem excessiva: o verdadeiro vilão
Embora o estopim tenha sido político, o principal fator técnico da crise foi a alavancagem elevada. O episódio ficou marcado como a maior cascata de liquidações da história do mercado cripto, superando eventos como o crash da COVID-19, em 2020, e a falência da FTX, em 2022.
Mesmo assim, o Bitcoin se manteve acima dos US$ 112 mil e o Ethereum recuperou 16% após o colapso, sinalizando resiliência estrutural. A recuperação, porém, tem sido gradual — sem o formato de “V” típico dos reveses anteriores — refletindo um ambiente de maior prudência e desalavancagem.
Regulação e institucionalização avançam nos EUA
Enquanto o mercado se ajustava, a agenda regulatória norte-americana deu passos importantes. A SEC simplificou o processo de listagem de ETFs de criptomoedas, permitindo a criação dos primeiros fundos de altcoins, como Litecoin, Solana e Hedera.
O ETF de Bitcoin da BlackRock lidera o setor, com mais de 800 mil BTC sob gestão e patrimônio superior a US$ 90 bilhões. Somados, os ETFs de Bitcoin movimentam US$ 153 bilhões, distribuídos entre 12 fundos.
Segundo relatório da Bitwise, empresas listadas em bolsa já detêm 1,02 milhão de BTC, o equivalente a 4,87% do fornecimento máximo da moeda. O estudo aponta que 172 companhias abertas mantêm Bitcoin em seus balanços.
Após o crash, a leitura institucional foi positiva: o sistema se manteve funcional, e a liquidação foi vista como uma limpeza necessária de alavancagem, não uma reversão estrutural.
Contexto macroeconômico e liquidez global
No cenário global, o Federal Reserve sinalizou um corte de 0,25 ponto percentual nos juros, enquanto o Banco Central Europeu manteve suas taxas estáveis. Já o FMI revisou a projeção de crescimento mundial de 3,3% para 3,2%.
A expectativa de juros mais baixos nos EUA tende a favorecer ativos de risco, como criptomoedas, ao reduzir o custo de oportunidade. Paralelamente, os avanços diplomáticos entre EUA e China para aliviar tensões comerciais reduziram parte da aversão ao risco, embora persistam focos de instabilidade geopolítica.
Projeções e perspectivas para novembro
O mercado entra em novembro em fase de ajuste. Analistas esperam uma normalização gradual após a forte desalavancagem, sustentada por três fatores:
- política monetária mais branda nos EUA;
- maior fluxo para ETFs;
- consolidação das narrativas de stablecoins e tokenização de ativos reais (RWA).
Stablecoins reguladas e ativos tokenizados devem aumentar a liquidez e atrair novos investidores, fortalecendo a integração entre o sistema financeiro tradicional e o cripto.
O cenário alternativo, porém, inclui novos choques externos que poderiam elevar o dólar, reduzir liquidez e provocar nova rodada de correções.
Gestão de risco e maturidade do setor
O episódio de outubro reforça uma lição antiga: gestão de risco é indispensável. Em um mercado caracterizado por alta volatilidade, quedas de 20% ou 30% fazem parte do ciclo natural.
A principal mensagem é de prudência e disciplina — evitar alavancagem excessiva, diversificar posições e manter reservas de caixa para aproveitar oportunidades em períodos de correção.
Em um balanço mais amplo, o crash funcionou como um “reset” saudável, eliminando excessos e fortalecendo as bases do setor. Para muitos analistas, o mercado de criptomoedas segue firme no caminho da maturidade e institucionalização.




















