O grupo SouthRock Capital, responsável pela gestão da Starbucks no Brasil, enfrenta uma grave crise financeira, culminando com o pedido de recuperação judicial na última semana de outubro.
Com dívidas acumuladas em torno de R$1,8 bilhão, a empresa iniciou um processo de reestruturação que afeta diretamente seus funcionários. A crise se agravou com demissões em larga escala e a ausência de pagamento das rescisões, intensificando a tensão entre a marca e sua força de trabalho.
A rede, que possui 187 lojas no território nacional, já viu 43 de suas unidades fechadas, além de muitas outras em meio a processos de despejo.
Empregados de diversos estados brasileiros relatam demissões, aumentando a incerteza sobre o recebimento de direitos trabalhistas. Em um comunicado oficial, a Starbucks declarou sua incapacidade de liquidar as pendências trabalhistas em tempo hábil.
O e-mail encaminhado aos colaboradores esclarece: “Informamos que, devido à atual situação da empresa e ao processo de recuperação judicial em andamento, estamos legalmente impedidos de efetuar pagamentos de débitos anteriores a 31/10/2023. Por conseguinte, o pagamento de rescisões contratuais está, no momento, inviabilizado. Lamentamos profundamente a situação e nos comprometemos a atualizar os envolvidos assim que houver definições sobre valores e datas de pagamento.”
O que diz a União Geral dos Trabalhadores (UGT)
A União Geral dos Trabalhadores (UGT) já se posicionou sobre o caso. O advogado da entidade, Alessandro Vietri, sugere uma petição defendendo os direitos dos trabalhadores, apontando divergências na interpretação legal adotada pela Starbucks. Este cenário reforça o debate sobre as responsabilidades empresariais em contextos de crise econômica e os direitos dos trabalhadores frente a processos de recuperação judicial.
“Esse crédito que a empresa está devendo é um crédito trabalhista que pode, sim, ser pago, independentemente do plano de recuperação judicial. Como a empresa mesma admitiu, o pedido foi ajuizado e ainda não foi concedido pelo juiz. Então a empresa poderia sim pagar aquelas verbas rescisórias, que são líquidas e certas, para os trabalhadores, aquelas em que o próprio administrador da empresa reconhece o devido, através dos termos de rescisão do contrato de trabalho”, alega Vietri.
O advogado explica que a própria lei de falência diz que qualquer crédito que seja estritamente salarial de até cinco salários mínimos, que são considerados vencidos até três meses antes da recuperação judicial, devem ser pagos até 30 dias da homologação do plano.
” O artigo 54 da lei de falência prevê isso. Não há esse impedimento legal, não incorre em crime de favorecimento de credor de nenhuma maneira. É o contrário, poderia até incorrer nesse ilícito se ela não efetuasse esse crédito no pagamento dos trabalhadores. O grupo SouthRock poderia estar fazendo o inverso do que coloca” completa.
Ex-colaboradores alegam falta de rescisão
Uma das prejudicadas neste processo de demissão é Ellen Rodrigues Eustáquio, de 21 anos, que trabalhava como barista e treinadora numa loja Starbucks do aeroporto de Brasília (DF). A ex-funcionária da franquia alega que não recebeu nenhum valor de rescisão e previsão.
“Era para ter recebido minha rescisão no dia 10 [novembro], porém falaram que as contas estavam bloqueadas e não poderiam retirar o dinheiro para pagar, não deram nenhuma previsão, apenas código para o seguro-desemprego e como retirar FGTS. Muitas pessoas nem o e-mail com o código para dar entrada no seguro desemprego receberam”, lamenta.
Somente nesta loja, Ellen alega que 17 pessoas foram desligadas da empresa sem receber seus vencimentos. “No último pagamento que eu recebi, deu errado o depósito do nosso vale transporte, o dinheiro do cartão não entrou para muitas pessoas, e elas estavam tendo que pegar dinheiro de gerentes ou da caixinha que davam para a gente para poder ir embora. Muita falta de ética e respeito com a gente que se dedicou pelo crescimento da empresa e deu o nosso máximo”, completa.
O mesmo ocorreu com Poliana Rodrigues de Souza, 29 anos, ex-funcionária da loja Starbucks do Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, com dois anos de trabalho na empresa. “Ocorreu uma demissão em massa no dia 31 de outubro, e minha amiga foi uma das primeiras a ser demitidas, às quatro da manhã. Eu cheguei pra pegar serviço às 6h40 e ainda tinha gente sendo mandada embora. Fui chamada para conversar às 9h30 com a carta de dispensa na mão da gerência. O motivo alegado por eles para a demissão de todos foi corte de custo, sem mais explicações”, conta.
Poliana alega que na mesma carta havia uma data para pagamento das verbas rescisórias, dia 09 de novembro, mas no dia seguinte recebeu o e-mail automático informando que não seria feito o depósito. “Fizeram tudo de caso muito bem pensado, pois começaram as demissões ainda na madrugada e terminaram até a hora do almoço, quando chegou a tarde começaram as notícias do pedido de recuperação judicial”.
“Estamos com aluguéis atrasados, água, luz, cartão de crédito, faculdade, pensão alimentícia, financiamento habitacional e por aí vai. Se eles tivesse agido com transparência, respeito e dignidade, como eles dizem que são os valores deles, não estaríamos assim. Tenho dois filhos pequenos, como vou pagar minhas contas? A empresa não foi correta conosco e nos deixou à mercê num navio que não pára de afundar”, desabafa Poliana.
Entidades querem bloqueio de bens pessoais de administradores da SouthRock
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comércio e Serviços (CONTRACS/CUT), que representa os trabalhadores do setor, afirma que vai acionar o Ministério Público do Trabalho (MPT) para que a empresa esclareça a decisão de não pagar as rescisões.
“Vamos pensar na possibilidade de entrar com uma ação coletiva, em conjunto com as centrais sindicais, pedindo até mesmo a desassociação da Pessoa Jurídica, para bloqueio dos bens pessoais dos administradores da SouthRock. Assim vamos garantir os direitos desses trabalhadores e trabalhadoras do Starbucks em todo o Brasil que ficaram sem suas rescisões. Acionaremos também o Ministério Público do Trabalho para que a empresa preste esclarecimentos, pois a forma como tudo foi feito nos faz crer que houve uma má fé da administradora. Os relatos de trabalhadores deixam muitas dúvidas sobre como as demissões foram realizadas. Novamente querem penalizar funcionários pela ingerência financeira de uma empresa, não deixaremos isso acontecer”, avalia.
As entidades UGT e CONTRACS/CUT se uniram à Força Sindical e juntas fazem parte de uma campanha internacional, que no Brasil ganhou o nome de #TrabalhadoresStarbucksUnidos, com o intuito de lutar por mais direitos desses trabalhadores da gigante do café. A campanha foi iniciada nos EUA e ganhou força no Brasil nos últimos anos.