Quinze anos após a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), o governo federal prepara a publicação de um novo decreto que estabelece a obrigatoriedade do uso de material reciclado na produção de plásticos.
A medida, articulada pelos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), deve ser anunciada durante a Semana do Meio Ambiente.
O decreto propõe metas mínimas para a utilização de plástico reciclado pós-consumo (PCR) pela indústria e visa estimular a logística reversa, o fortalecimento da cadeia de reciclagem e a valorização do trabalho de catadores e cooperativas.
A iniciativa cumpre promessa do atual governo e busca destravar gargalos estruturais do setor.
Atualmente, apenas 8% dos resíduos sólidos são reciclados no Brasil, segundo dados da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), com base em 2023.
Projeções indicam que, caso 10% do mercado adotasse o uso de PCR, seria possível evitar o descarte de cerca de 100 mil toneladas de plástico por ano e reduzir aproximadamente 150 mil toneladas de emissões de CO₂ anualmente.
Identificação e triagem de plásticos
A identificação dos tipos de plástico é feita por meio de um código numérico (de 1 a 7) localizado dentro do símbolo de reciclagem conhecido como triângulo de Möbius. Cada tipo possui características específicas, o que exige cadeias de reciclagem estruturadas e adaptadas a cada material.
O novo decreto deve contribuir para o aprimoramento dessa triagem, promovendo práticas mais eficientes de separação e tratamento dos resíduos, com benefícios diretos para a economia circular.
Papel das entidades gestoras e impacto econômico
Entidades gestoras como o Instituto Giro, que atua na articulação entre empresas e cooperativas, têm papel essencial na implementação da logística reversa.
A diretora-presidente do instituto, Jéssica Doumit, destaca que o decreto pode impulsionar a demanda por plástico reciclado nacional, reduzindo a dependência de insumos importados e promovendo a valorização do trabalho dos catadores.
“A profissionalização da cadeia e a padronização das operações podem resultar em um aumento significativo de renda para os trabalhadores envolvidos”, afirma Doumit. Segundo dados da organização, esse aumento pode chegar a 62% para os catadores que participam de sistemas organizados de reciclagem.
Perspectivas para o mercado
A expectativa é de que o novo marco regulatório também funcione como estímulo ao mercado interno. O diretor da empresa Resiban, João Paulo Sanfins, observa uma tendência crescente de valorização de embalagens sustentáveis, com destaque para o uso de polietileno reciclado, que representa até 35% do volume de embalagens no varejo, conforme a Associação Brasileira de Embalagem (ABRE).
Para Sanfins, políticas de desoneração específicas para recicláveis poderiam tornar esses insumos mais competitivos frente à matéria-prima virgem, gerando impacto positivo ao longo de toda a cadeia produtiva, inclusive na renda dos catadores.
Educação e conscientização
Além dos avanços regulatórios e estruturais, especialistas apontam para a necessidade de ações de conscientização da população. Telines Basilio, presidente da Coopercaps e da Rede Sul, defende a inclusão de educação socioambiental no currículo escolar e o aumento do acesso a informações sobre reciclagem.
“A responsabilidade compartilhada é essencial para elevar os índices de reciclagem no país e melhorar a renda dos trabalhadores do setor”, avalia Basilio.
Pesquisa recente do Instituto Ilumeo, encomendada por uma plataforma de certificação ambiental, mostrou que 86% dos brasileiros consideram essencial que os produtos tenham selos de certificação ambiental, e 85% acreditam que esses selos são importantes para garantir processos de reciclagem eficazes.
Caminhos para a sustentabilidade
O novo decreto se insere em um contexto mais amplo de fortalecimento da governança ambiental no Brasil. A expectativa é de que a medida contribua para alavancar a economia circular, reduzir impactos ambientais e ampliar a participação da população e do setor produtivo nas ações de sustentabilidade.
Se confirmada durante a Semana do Meio Ambiente, a nova norma representará um passo significativo no cumprimento dos compromissos climáticos do país e na consolidação de Políticas públicas voltadas à gestão integrada de resíduos sólidos.