Em uma reviravolta que reacende debates sobre moralidade e compromissos internacionais, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, parece estender a mão a Vladimir Putin enquanto pressiona o líder ucraniano Volodymyr Zelenskyy a aceitar um acordo de paz na guerra contra a Rússia. No centro dessa polêmica está o Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança, um acordo multilateral de 1994 que comprometeu os EUA, o Reino Unido e a própria Rússia a garantir a segurança da Ucrânia – uma promessa que Trump parece ignorar ao pender a balança para Moscou, deixando a Ucrânia em uma posição vulnerável, ao mesmo tempo que enfraquece a credibilidade americana frente a acordos importantes.
Encontro na casa branca
28 de fevereiro de 2025 entrará para os livros de história… Zelenskyy visitou a Casa Branca e se envolveu em um bate-boca com Trump. “Você não está agindo de forma alguma agradecido”, disparou o presidente americano, acusando a Ucrânia de ingratidão e sugerindo que o país “começou” a guerra – uma narrativa bem alinhada à propaganda russa. Zelenskyy então rebateu a afirmação de o ser ingrato antes que colasse, mas estava em desvantagem no Salão Oval em número de apoiador e em geografia. Trump ainda fez questão de expor que os EUA aportaram 350 bilhões de dólares à Ucrânia, embora dados oficiais indiquem cerca de 175 bilhões. Ao falar desses gastos, os chamando de exorbitantes, claramente foi um intento de justificar sua ameaça de cortar a ajuda militar se Kiev não negociar com Moscou.
Esse confronto expôs uma fratura profunda. Enquanto Trump pressiona por um fim rápido ao conflito, críticos apontam que os EUA têm um compromisso histórico com a Ucrânia, ancorado no Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança, assinado em 1994 por Ucrânia, Rússia, EUA e Reino Unido. Em troca da renúncia ucraniana ao terceiro maior arsenal nuclear do mundo, os signatários prometeram respeitar sua soberania e se abster de ameaças ou uso da força – promessas já quebradas pela Rússia em 2014 com a anexação da Crimea e em 2022 com a invasão em larga escala. A suspensão recente da ajuda militar americana contradiz esse compromisso moral e diplomático, enfraquecendo a narrativa de que “não somos obrigados a investir”.
Trump-Putin: uma relação sob escrutínio internacional
A relação entre Trump e Putin já tem um histórico de controvérsias desde o primeiro mandato do presidente americano – já que Putin domina seu país desde 7 de maio de 2012 -, quando ele chamou o líder russo de “muito respeitado” e disse que se dava “muito bem” com ele. Apesar de sanções impostas no passado, Trump agora adota uma postura conciliatória para os mais crentes em sua recente mudança. Desde que reassumiu o poder em em janeiro, ele suspendeu a ajuda militar à Ucrânia e anunciou planos para se reunir com Putin, afirmando que as negociações de paz avançam “rapidamente”. Essa abordagem levantou suspeitas de que Trump estivesse disposto a ceder terreno à Rússia – um dos signatários que quebrou o Memorando de Budapeste – em troca de estabilidade ou favores diplomáticos, enquanto a Ucrânia luta por uma soberania que os EUA prometeram proteger.
Das negociações
As negociações entre Ucrânia e Rússia, impulsionadas pela pressão americana, talvez estejam em seu momento crítico. A Ucrânia exige um cessar-fogo via ar, a retirada das forças russas e a restauração de suas fronteiras, incluindo Crimea e Donbas. A Rússia, por sua vez, busca manter o controle sobre os territórios sequestrados, uma posição que Putin reforçou ao chamá-los de “não negociáveis”. Propostas russas anteriores, como a desmilitarização da Ucrânia, já foram rejeitadas por Kiev e taxadas “como inaceitáveis”.
A intervenção de Trump, combinada com a suspensão de apoio militar e inteligência, coloca a Ucrânia em larga desvantagem. Analistas temem que um acordo forçado legitime a agressão russa, minando o direito ucraniano à autodefesa – algo de muita primazia, inclusive, para os eleitores americanos Republicanos ou Democratas.
Principais narrativas
A Rússia justifica sua invasão como uma “medida para proteger populações de língua russa”, “impedir a expansão da OTAN” e “desnazificar” a Ucrânia. Essas alegações são amplamente contestadas como pretextos para uma guerra ilegal. vide anexação da Criméia em 2014, pondo abaixo o acordo de Budapeste em apenas 20 anos (um contrato recém nascido do ponto de vista histórico).
A Ucrânia se apresenta como vítima de uma agressão não provocada, lutando por sobrevivência e liberdade. Seu argumento é fortalecido por acordos internacionais, além do Memorando de Budapeste que a forçou a abrir mão de seu arsenal nuclear em 1994, confiando suas garantias de segurança aos EUA, Reino Unido e Rússia. Essas garantias foram traídas por Moscou que pôs abaixo o acordo em apenas 20 anos (um contrato recém nascido do ponto de vista histórico) e agora parecem negligenciadas por Washington. Zelenskyy agora insiste que qualquer acordo deve respeitar a integridade territorial ucraniana, um apelo que ecoa tanto necessidade quanto o resgate da promessa internacional quebrada.
Ponto de vista moral e legítimo
Moralmente, a balança pende para a Ucrânia. A invasão russa, mesmo sob quaisquer narrativa, enfrenta a moralidade de todo o país, a sua integridade territorial e a sua legítima defesa. A moralidade de toda uma população forçada a evadir mulheres, crianças e idosos, separar famílias e destruir futuros. Isso por parte da Ucrânia, mas também pode se observar defeitos morais por parte da Rússia ao mandar para o front de batalha soldados despreparados, novos em muitos aspectos, sem suprimentos nem suporte, além de inicialmente contratar proxys de guerra, como no caso do grupo de mercenários Vagner. Do ponto de vista da integridade territorial temos o remapeamento de grandes centros urbanos e locais antes economicamente ativos – sem falar no grande problema das minas terrestres. Na legítima defesa, que embora pareça não estar sendo afetada, só parece. Caso os EUA decidam de fato “entregar a Ucrânia ao destino” com as novas medidas, poderá ser parecido com o que Trump disse “não duraria 2 semanas”. Sabendo disso e também por isso, o acordo de Budapeste talvez precise ser requentado na memória do presidente americano. Cortar essa ajuda agora, enquanto Trump “dá as mãos” a Putin, levanta uma questão ética: os EUA estão abandonando um aliado que desarmou com base em sua palavra?
Defensores de Trump argumentam que encerrar a guerra, mesmo com concessões, poderia salvar vidas e estabilizar a região. No entanto essa visão ignora o custo de legitimar a conquista territorial pela força – um precedente perigoso que mina o espírito de segurança nacional e a credibilidade americana frente a acordos internacionais. Embora o memorando não seja um tratado vinculante que obrigue intervenção militar direta, ele estabelece um compromisso moral e diplomático que tem impulsionado a ajuda à Ucrânia, complementado por acordos bilaterais como o de cooperação militar com os EUA.
Um Futuro Incerto
Enquanto Trump “mostra a mão” a Zelenskyy, exigindo negociações sob ameaça de abandono, sua aparente proximidade com Putin intensifica a polêmica. A Ucrânia enfrenta um dilema: resistir e arriscar isolamento ou ceder e sacrificar uma integridade que os EUA prometeram defender em 1994. O desfecho dessas negociações, guiado por uma Casa Branca dividida entre compromissos históricos e prioridades atuais, definirá não apenas o destino da Ucrânia, mas também o peso da palavra americana no palco global – uma palavra que, por décadas, foi sinônimo de garantia contra a agressão.
Algumas fontes estudadas:
Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança (1994)
- Este acordo multilateral comprometeu os EUA, o Reino Unido e a Rússia a garantir a segurança da Ucrânia em troca da renúncia ao terceiro maior arsenal nuclear do mundo.
🔗 https://treaties.un.org/doc/Publication/UNTS/Volume%203007/Part/volume-3007-I-52241.pdf
BBC News Brasil – As propostas de Trump para pôr fim à guerra da Ucrânia
- Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cpqjy7zx49xo
- Descrição: Publicado em 13 de fevereiro de 2025, este artigo detalha as declarações de Donald Trump após uma ligação de 90 minutos com Vladimir Putin, onde ele afirmou que as negociações para acabar com a guerra deveriam começar “imediatamente”. Inclui falas de Trump sobre a exclusão da Ucrânia da OTAN e críticas à participação europeia.
NPR – Trump, Zelenskyy shouting match underscores change in U.S. foreign policy
- Disponível em: https://www.npr.org/2025/02/28/nx-s1-5310647/trump-week-ukraine-russia
- Descrição: Reportagem de 28 de fevereiro de 2025 sobre o confronto entre Trump e Zelenskyy na Casa Branca, com Trump dizendo “Você não está agindo de forma alguma agradecido” e Zelenskyy respondendo sobre o apoio dos EUA. Captura o tom polêmico das falas de ambos.
Observador – Trump acusou Zelensky de ‘ingratidão’. Mas Presidente da Ucrânia já terá agradecido pelo menos 33 vezes aos EUA desde 2022
- Disponível em: https://observador.pt/2025/03/01/trump-acusou-zelensky-de-ingratidao-mas-presidente-da-ucrania-ja-tera-agradecido-pelo-menos-33-vezes-aos-eua-desde-2022/
- Descrição: Publicado em 1º de março de 2025, este texto cita Trump e JD Vance acusando Zelenskyy de ingratidão na Casa Branca, contrastando com 33 agradecimentos públicos de Zelenskyy aos EUA desde 2022, incluindo falas de 2025 como “Obrigado América, obrigado pelo vosso apoio” em 28 de fevereiro.
Reuters – Major risks loom as Trump upends US Russia policy
- Disponível em: https://www.reuters.com/world/major-risks-loom-trump-upends-us-russia-policy-2025-02-19/
- Descrição: Publicado em 19 de fevereiro de 2025, menciona Trump sinalizando negociações diretas com Putin e sua fala na rede social: “É hora de parar esta guerra ridícula, onde houve MORTE e DESTRUIÇÃO massivas”, refletindo sua postura em 2025 sobre o conflito.
NBC News – Trump says peace negotiations between Ukraine and Russia are moving ‘pretty rapidly’
- Disponível em: https://www.nbcnews.com/now/video/trump-says-peace-negotiations-between-ukraine-and-russia-are-moving-pretty-rapidly-233111621643
- Descrição: Vídeo de fevereiro de 2025 onde Trump declara que as negociações de paz estão avançando “muito rapidamente”, oferecendo uma perspectiva direta de suas falas sobre o progresso das conversas com Putin e a pressão sobre Zelenskyy.