*Por Katia Valverde Junqueira e Yuri Sahione
A relação da política com crimes remonta a ancestrais marcos civilizatórios da humanidade, sendo numerosos os relatos históricos de detentores do poder, muitas vezes legítimos, que abusaram de seus mandatos, frustrando a expectativa de seus representados para reverter o usufruto da coisa pública e da gestão estatal em benefícios pessoais. Na percepção da realidade política brasileira, esses agentes políticos sempre foram vistos como personalidades egocêntricas, carreiristas e aproveitadoras, mas antes de tudo, pessoas que se confundiam com o Estado e que, por vezes, eram mais fortes do que as próprias instituições.
Foi com o escândalo do mensalão (2005), que se percebeu um papel destacado dos partidos políticos no suporte daqueles que sempre pareceram sozinhos nas empreitadas criminosas.
Já mais recentemente, a Operação Lava-Jato (2014) desnudou o fato de que siglas de representação foram colocadas como verdadeiros instrumentos facilitadores do recebimento de valores fruto de corrupção, permitindo a prática da lavagem de capitais via contribuições eleitorais.
A zona cinzenta em que se colocaram muitos partidos fez com que o Supremo Tribunal Federal (STF) chegasse a reconhecer, em julgamento de ação penal originária – relacionada à Lava-Jato -, que doações eleitorais poderiam ser descaracterizadas como tal, para nelas ver reconhecido o pagamento de vantagem indevida fruto de corrupção.
Constatado pelo STF que a relação entre candidatos e empresas deu margem a conflitos de interesses e a vantagens pecuniárias indevidas, a medida adotada pelo Supremo no sentido de vetar a participação de empresas no pleito eleitoral como doadores, não elimina por completo os riscos a que os partidos e a sociedade estão sujeitos.
Por outro lado, no último processo eleitoral, o tema do combate à corrupção foi uma das pautas decisivas para a definição dos mandatários em nível federal e estadual, bem como tema dos mais explorados pelos candidatos durante as campanhas eleitorais. Foi comum identificar nas propagandas dos partidos menores ou dos recém criados, referências à legenda adversária como sendo a que contemplava determinados candidatos presos ou acusados de corrupção.
A alteração da abordagem para vincular o partido e não só apenas o candidato fez com que algumas siglas mudassem de nome e iniciassem seus processos de renovação de seus quadros diretivo e associativo.
Entretanto, esse novo paradigma da política imposto no último processo eleitoral não pode levar a resultados cosméticos. Nesse sentido, relevante a iniciativa apresentada no projeto de lei nº 60/2017 do Senado para prever a responsabilização objetiva do partido político cujos dirigentes, no exercício de suas funções, praticarem atos contra a Administração Pública, prevendo ainda, a responsabilização desses próprios dirigentes.
Na essência dessa proposição, são considerados ilícitos passíveis de responsabilização do partido e de seus dirigentes atos de corrupção, utilização de laranjas, o estímulo ou apoio à prática de atos ilícitos – lógica do projeto de poder – ou mesmo embaraçar a ação fiscalizadora dos órgãos competentes. Em outras palavras, os ilícitos definidos são alguns dos já previstos na chamada Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13).
À semelhança da lei que inspirou tal proposta, os partidos que dispuserem de um programa de compliance poderão ter eventual sanção atenuada. Os parâmetros para o programa de integridade são os mesmos já consagrados pela legislação anticorrupção brasileira – incluídas suas regulamentações – e que atendem aos padrões internacionais. Nada de novo, pois não há necessidade de reinventar a roda, mas sim de fazê-la girar.
Outra proposição é o projeto de lei nº 429/2017 também do Senado, que torna obrigatório que partidos tenham um programa de integridade nos moldes já previstos na legislação, mas especificando cuidados na realização de diligências para conhecer melhor doadores de altas quantias. O diferencial dessa proposta, além da obrigatoriedade do programa, é a sanção de suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário ao partido que não implementar o programa ou, ao implementá-lo, não o torne efetivo.
Em linhas gerais, para os partidos, o programa deverá cumprir a sua finalidade de prevenir, detectar e remediar desconformidades, contando com normativos como código de ética e conduta, um canal de denúncia e mecanismos regulares de auditoria. Mesmo que alguns partidos de oposição tenham manifestado resistência às propostas, os efeitos práticos dos projetos já começam a ser percebidos.
Ainda sob o enfoque da investigação de candidaturas laranjas em Minas Gerais, o PSL foi o primeiro partido a anunciar publicamente o início da implementação do seu programa de integridade. O partido do Presidente Bolsonaro foi sucedido pela declaração do presidente do maior partido do país, o MDB, de que a sigla também irá desenvolver seu sistema de controles internos.
Esse tipo de iniciativa, de antecipar uma legislação que ainda sequer foi aprovada, indica a preocupação geral dos principais partidos do país em responder aos anseios da sociedade no sentido de consolidar os princípios de transparência e ética na política.
Nesse sentido, constata-se que o tema do compliance chegou efetiva e definitivamente aos partidos políticos e está associado também a um imprescindível processo de reinvenção e modernização da política nacional que será o catalisador de uma mudança de postura política que deverá impactar as próximas eleições.
*Kátia Valverde Junqueira – Desembargadora do TRE-RJ
*Yuri Sahione – Presidente da Comissão de Compliance do Conselho Federal da OAB