O Brasil começa a encarar o peso de quase 400 anos de escravidão — um legado que ainda estrutura desigualdades profundas. Pessoas negras seguem na base da pirâmide social: com menor renda, menos acesso à terra, moradia e direitos básicos. É nesse contexto que a segunda Marcha de Mulheres Negras, que ocorre nesta terça-feira (25) em Brasília, traz a reparação econômica e o bem-viver ao centro do debate nacional.
A articuladora do movimento negro, Ruth Pinheiro, explica que a pauta não se limita a reconhecer o passado, mas exige respostas concretas do Estado e dos países que lucraram com o tráfico de africanos. “Falamos de reconhecimento nacional e de Políticas públicas. Reparação é um direito. A sociedade precisa compreender por que pessoas negras ainda são maioria nas favelas, na prostituição e no tráfico”, afirma.
Como base das reivindicações, o movimento lançou o Manifesto Econômico, que apresenta propostas em sete eixos, incluindo: criação de um fundo nacional de reparação, taxação de grandes fortunas, redução da taxa de juros, mecanismos de crédito, ações afirmativas e políticas agrárias e urbanas. A PEC 27/24, em tramitação no Congresso, prevê um fundo de até R$ 20 bilhões, com aporte inicial de R$ 1 bilhão da União.
A luta também incorpora demandas da população LGBTQIA+. Bruna Ravena, do Fonatrans, reforça que mulheres negras trans sofrem múltiplas camadas de violência. “Seguimos denunciando o racismo contra mulheres trans e fortalecendo a luta por políticas que garantam vida digna, saúde, trabalho e moradia. Não há justiça social sem proteger essas vidas.”
Nos últimos 30 anos, o debate sobre reparação avançou mais fora do Brasil do que dentro, recorda Ruth Pinheiro. Ela participou da Primeira Conferência Pan-Africana de Reparações, em 1993, na Nigéria, marco histórico que impulsionou iniciativas internacionais — como o pedido de desculpas do jornal britânico The Guardian em 2023, após reconhecer lucros de seus fundadores com a escravidão. No Brasil, entretanto, a agenda andou lentamente. “Sempre disseram: quando o Brasil reconhecer a necessidade de reparação, o mundo seguirá o mesmo caminho”, lembra.
Para Simone Nascimento, coordenadora do MNU, as medidas existentes ainda são insuficientes. “A escravidão é irreparável, mas o racismo continua determinando quem tem acesso à educação, emprego e salários. Os indicadores estão aí.” Mulheres negras são quase 60 milhões de brasileiras, uma em cada três pessoas no país, e constituem o grupo mais afetado pela pobreza, segundo o IBGE.
As lideranças de religiões de matriz africana também pedem reparação e proteção diante do avanço do racismo religioso. Casos recentes, como a entrada de policiais armados em uma escola após uma criança desenhar Iansã, evidenciam o problema. “É muito triste construir um templo com sacrifício e vê-lo destruído. Precisamos de políticas que garantam nossa segurança”, afirma Mãe Nilce de Iansã, coordenadora da Renafro.
A Marcha de Mulheres Negras volta às ruas com uma mensagem clara: reparar não é reescrever o passado, mas transformar o presente para garantir o futuro.



















