Segundo dados de dois relatórios formulados pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DP-RJ) junto ao Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais (CONDEGE), o procedimento de reconhecimento fotográfico em delegacias do país possuem falhas.
De acordo com os documentos, de 2012 a 2020 foram efetuadas no mínimo 90 prisões injustas por meio deste método, sendo 73 delas no Estado do Rio de Janeiro.
O primeiro relatório, de setembro de 2020, alegou 58 erros em reconhecimento por fotos durante o período de junho de 2019 a março de 2020 e em 86% desses casos houve decreto de prisão preventiva, com períodos de privação de liberdade entre cinco dias e três anos.
Já o relatório mais recente, de fevereiro de 2021, que foi produzido através de informações enviadas por defensores de 10 Estados diferentes, foram mencionados 28 processos, onde quatro deles havia dois suspeitos, contabilizando assim 32 acusados, no qual, aproximadamente 83% das pessoas apontadas como suspeitas eram negras.
Para os defensores, os fatos evidenciam o racismo estrutural no país e a necessidade de apuração desses processos que se sustentam sem a existência de outras provas que corroborem a acusação.
“Inegavelmente, o procedimento denominado de reconhecimento fotográfico dá lugar a uma série de erros, revelando, muitas das vezes, a seletividade penal. Para condenar alguém temos que ter produção de provas com total observância à ampla defesa e contraditório. Não se pode condenar com base em suposições, ao contrário, a prova deve ser firme e sólida, sob pena de violar garantias e direitos constitucionais”, pontuou a Coordenadora de Defesa Criminal da DP-RJ, Lúcia Helena Barros, em declaração ao site da DP-RJ.
A maioria das acusações foram por práticas de roubo, mas há dois casos de homicídio, uma tentativa de homicídio e um furto. Porém, grande parte dos acusados foram inocentados por falta de provas, pois o reconhecimento não se confirmou em juízo.
Como avalia especialista
Apesar dos estudos e reconhecimento das falhas pela defensoria, tem se visto novos casos de acusados por crimes que não cometeram, decorrentes de erros em reconhecimento fotográfico.
O advogado e doutor em direito penal pela USP, Matheus Falivene explica como funciona o método em delegacias e aponta que essa não pode ser a única prova na hora de apontar um possível criminoso.
“Muitas delegacias criam ‘catálogos de suspeitos’, onde elas fazem a identificação criminal por meio de fotos de alguns indivíduos, que ali foram presos ou que são suspeitos de outros crimes e ali eles apresentam essas fotos para as vítimas, fotos 3×4, ou só de rosto, geralmente de não muita qualidade e isso acaba levando a um reconhecimento falho e a condenações injustas, o que é muito comum em nosso sistema”, analisa.
“Só que a jurisprudência do STJ, desde 2019 tem se posicionado firmemente no sentido de que o reconhecimento fotográfico não pode ser o único meio de prova, é recomendável que esse reconhecimento seja feito pessoalmente em juízo também e além disso, tem que estar corroborado em outras provas robustas de autoria e participação no crime”, ressalta o advogado.
O doutor Matheus Falivene, também informa sobre quais medidas os acusados injustamente podem tomar para rever a condenação em sua defesa.
“O acusado pode por meio de sua defesa, fazer uma defesa afetiva, colendo provas, demonstrando a falha do reconhecimento fotográfico, demonstrando que esse reconhecimento não pode ser utilizado e caso já tenha sido condenado e já tenha transitado e julgado essa condenação, o indivíduo eventualmente condenado de forma errônea pode buscar a chamada revisão criminal, que é uma espécie de abertura do processo para análise”, especifica o Dr.Falivene.
Racismo estrutural no sistema carcerário
Outro fator que choca é que esse método evidencia o racismo estrutural dentro do sistema jurídico brasileiro, já que 83% dos casos de acusados injustamente são pessoas negras, sobre esse fato o militante do coletivo negro Timbuctu, Bruno Peixoto fala de alguns estudos que mostram características e padrões que demonstram um claro viés racista que às instituições de segurança no Brasil adotam.
“Em estudo realizado no ano de 2020, da defensoria pública, divulgado no portal jurídico Conjur, em que os levantamentos mostraram que 8 de 10 pessoas presas em flagrante no Rio de Janeiro são negras. E também há estudos que mostram que 73% da população carcerária é composta por pessoas negras. Além desses estudos, existem inúmeros outros levantamentos que apontam um viés racista das instituições que compõe o sistema jurídico brasileiro”, expõe Bruno.
O ativista negro ainda finaliza trazendo a reflexão sobre as violências institucionais simbólicas, que quase sempre se dão de forma veladas.
“Basta perguntar a qualquer amigo, parente ou conhecido que seja negro e/ou pobre quantas abordagens policiais já sofreram e como essas abordagens foram, não será raro encontrar episódios traumáticos, totalmente desumano e descabidos. Ou seja, ser preto e pobre no Brasil te faz como um potencial criminoso, e essa dinâmica faz com que há todo momento precisamos estar atentos e preparados para uma situação desfavorável”.