A pandemia e o consequente isolamento social trouxeram uma série de mudanças no dia a dia das empresas.
Dentre todas as mudanças, um dos mais relevantes foi o fomento ao trabalho remoto. Chamado pela legislação em vigor de Teletrabalho, quando o empregado exerce suas atividades a maior parte do tempo fora das dependências da empresa.
Entre as diversas discussões sobre o tema tem-se, em especial, a questão relativa ao custeio das despesas e equipamentos dos empregados.
De quem é a responsabilidade?
O que antes era provisório, agora em diversas empresas é definitivo, tendo adotado o home office como prática efetiva de trabalho.
Ou seja, o investimento e interesse do próprio empregado em melhorar o seu local de trabalho, “deixando de ser caseiro” está ainda mais em pauta.
A lei (artigo 75-D da CLT) determina que a responsabilidade pela aquisição, manutenção e ou fornecimento de equipamentos, bem como reembolso de despesas será objeto do contrato. Ou seja, a lei não afirma que é da empresa e deixou claro que caberá às partes definirem como isso irá ocorrer.
Recentemente, a 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul proferiu decisão que determinou ao empregador a responsabilidade de custear os equipamentos adquiridos pelo empregado para o exercício daquela atividade (1000766-98.2020.5.02.0472).
Antes de qualquer crítica à decisão, interessante diferenciar os benefícios possíveis aos empregados no Teletrabalho:
a) Ajuda de custo: Valor fixo, normalmente mensal, com o intuito de cobrir despesas adicionais com o trabalho remoto, como auxiliar nos custos de internet, luz etc.
O importante nesta modalidade é existir efetivamente despesas a serem ao menos parcialmente custeadas, bem como que o valor seja proporcional ao contrato de trabalho. Por exemplo, é difícil imaginar uma ajuda de custo no mesmo valor do salário do profissional. Como o próprio nome já diz, trata-se de uma “ajuda de custo” e não necessariamente precisa cobrir toda e qualquer despesa do empregado.
b) Reembolso de Despesas: Aqui o valor é variável e exige do empregado a comprovação efetiva da despesa. O valor despendido pela empresa será apenas e tão somente o que for comprovado pelo empregado.
O empregador pode e deve criar regras internas que visem regular o teto máximo de reembolso ou até mesmo quais as despesas inclusas. A reforma trabalhista deixou claro que os dois benefícios “a” e “b”, acima mencionados, não possuem natureza salarial, como forma de incentivar as empresas a buscarem oferecer melhores condições aos seus teletrabalhadores.
c) Fornecimento de Equipamentos: Por fim, é possível que o empregado forneça o próprio equipamento para auxiliar na prestação de serviços. Trata-se do computador, cadeira, impressora cedidos como ferramentas de trabalho e, portanto, não devem incorporar ao contrato de trabalho
Este formato exige do empregador cautela para a entrega dos equipamentos, bem como estabelecer as responsabilidades com o uso e manutenção.
Feitas estas diferenciações, a decisão da 2ª VT/São Caetano do Sul insere-se no item ‘c’ acima, mas com o agravante de que restou apurado (destaca-se que o processo ainda em trâmite e sem trânsito em julgado): (i) ausência de pactuação expressa quanto aos equipamentos e despesas, e que (ii) gastos extraordinários foram exigidos do profissional para que a atividade fosse desempenhada em casa.
Nesse sentido, não se trata de um entendimento isolado e excessivo de responsabilidade do empregador por todos os custos à revelia do que determina a lei, mas sim que, no caso em concreto, restou apurado que foi exigido do empregado um ônus desproporcional para desenvolver a sua atividade remotamente.
A nossa recomendação é sempre avaliar o caso em concreto e utilizar da razoabilidade. É compreender se aquela atividade prescinde de algum equipamento específico ou não. É não exigir que o empregado compre nada apenas porque a atividade exige ou deixar que o empregado “assuma os riscos do negócio” no lugar da empresa. Questione-se: “Como empregador eu estou exigindo que o empregado realize investimentos desproporcionais?”
Adicionalmente, sempre é preciso confirmar na norma coletiva aplicável, a qual comumente dispõe sobre auxílios e obrigações com estes custos.
Qualquer que seja a discussão ou conclusão, é crucial a formalização em contrato/aditivo apropriado e uma robusta política interna. Isto é: não havendo pagamento/fornecimento de equipamentos, que isto conste expresso no documento e com as razões para tanto; ou havendo pagamento/fornecimento de equipamentos que o documento dite os limites e demais regras do benefício.
O que chama a atenção na decisão ora comentada é a ausência de discussão quanto à propriedade dos equipamentos. Isto porque, havendo o reembolso do que foi gasto e partindo da premissa de que a compra foi realizada tão somente para desenvolver as atividades, a propriedade dos equipamentos é da empresa? A empresa vai reembolsar equipamentos que ficarão com o empregado?
Nos parece razoável entender que tendo a empresa arcado com o custo integral dos equipamentos e tendo a comprovação efetiva (no caso acima – decisão judicial) de que o valor servirá para este propósito apenas, o equipamento é de propriedade da empresa. O que não aconteceria se a condenação fosse em pagamento de uma ajuda de custo, já que não atrelada a nenhuma despesa específica.
Sem debruçar no processo, somos da opinião de que caberia, nesse caso, à empresa ter apresentado reconvenção na peça de defesa pedindo que, caso fosse condenada a ressarcir os equipamentos, como de fato aconteceu, que o empregado fosse obrigado subsidiariamente a devolvê-los por serem ferramentas de trabalho.
Não temos visto muitas empresas utilizando essa estratégia, mas é importante que o façam já que foi o próprio judiciário quem afirmou que a ferramenta de trabalho é de propriedade da empresa.
No dia a dia das empresas e na implementação de políticas de Teletrabalho é sempre importante avaliar quais dos formatos acima serão implementados (ajuda de custo, reembolso ou fornecimento do equipamento) e desenvolver regras específicas. O retorno do equipamento, possibilidade de desconto em caso de dano, treinamentos específicos e regras de manutenção estão entre os temas abordados nas políticas internas.
A dica é sempre buscar entender a operação da empresa, seus valores, suas regras de compliance e o que se pretende exigir do empregado, analisando se há obrigação ou não em fornecer qualquer auxílio e, em qualquer das hipóteses, ter regras transparentes e bem divulgadas sobre o tema.
Fernanda Muniz Borges e Luiz Eduardo Amaral de Mendonça são sócios da área trabalhista do escritório FAS Advogados