A reforma da Previdência aprovada na Câmara dos Deputados vai alterar um dos principais benefícios do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS): a pensão por morte. Após seis meses de discussões, os parlamentares definiram que os segurados poderão receber uma pensão menor que o salário mínimo, caso não comprovem que o benefício é a única fonte de renda da família.
O Brasil tem hoje 7,7 milhões de pensionistas por morte do INSS e para estes as regras não serão alteradas. A pensão por morte é destinada aos dependentes do segurado que morrer. São considerados dependentes o cônjuge, os filhos menores de 21 anos ou inválidos, os pais (se dependiam economicamente do titular) e, por último, os irmãos menores de 21 anos e não emancipados, desde que comprovada a dependência financeira do segurado falecido.
Vitor Carrara, especialista em Direito Previdenciário do escritório Stuchi Advogados, explica que as regras da pensão por morte vêm sofrendo mudanças já desde 2015, quando houve uma tentativa de criação de tabela de projeção para o dependente com a Medida Provisória 664/2015.
De acordo com o advogado, houve ainda naquele ano outras alterações, com a Lei 13.846/2019, em que foi criada uma “inacreditável” prescrição para menores, onde o menor de idade pode receber a pensão apenas se ela for requerida em até 180 dias do óbito. O prazo é de 90 dias para os demais dependentes.
Atualmente, no regime dos trabalhadores privados, os dependentes de segurados que vêm a óbito têm direito a receber 100% do benefício que o segurado recebia até o teto do regime, hoje no valor de R$ 5.939,45. Já os dependentes de servidores públicos recebem valor correspondente a 100% do benefício acrescidos de 70% do excedente desse teto. Caso haja mais de um dependente, o benefício é dividido entre eles. Se um dos dependentes morrer ou atingir a maioridade, a parcela do benefício que era recebida por este dependente é redistribuída para os demais dependentes. Ou seja, o valor de 100% é mantido.
A reforma da Previdência, contudo, deve reduzir a integralidade do benefício, que será mantida apenas no caso de o óbito ter se dado por acidente do trabalho ou por doenças profissionais. “Com a reforma, além das alterações que já tiraram diversos direitos dos contribuintes, o valor da pensão, que hoje é de 100% dividido pelos dependentes, pode ser reduzido, passando para 60%, somando-se 10% para cada filho menor, valor esse não repassado para a viúva quando o filho atingir a maioridade de 21 anos”, analisa Carrara.
Para o advogado, a mudança faz com que os segurados que contribuíram grande parte da vida pensando em sua família sejam lesados em 40% do que deveriam receber. “São lesados por receber valores inferiores ao salário mínimo, acabando com o intuito da Previdência, que foi criada com objetivos sociais. Estão tirando de quem mais precisa”, critica.
Destaque aprovado pela Câmara dos Deputados, diminuiu a possibilidade de o dependente receber o benefício abaixo do salário mínimo, hoje em R$ 998. A última alteração determinou que será assegurado esse valor no caso do benefício ser a única fonte de renda do dependente. O texto anterior garantia o mínimo apenas no caso do benefício ser a única fonte de todos os dependentes. O destaque também determinou que apenas os trabalhadores formais poderão receber o valor reduzido, com a garantia do salário mínimo para os dependentes que não tenham um trabalho formal.
Na opinião de João Badari, especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith,
Badari e Luchin Advogados, essa última alteração no texto foi positiva, por exemplo, para mulheres que não trabalham para ter tempo de cuidar do lar e dos filhos. “Foi importante para que ela não fique com uma pensão menor do que o salário mínimo, senão ela não vai conseguir nem se alimentar. É uma questão de subsistência. Na maioria dos casos, a viúva não tem um emprego formal porque eram seu marido ou filhos que custeavam as contas da casa”, exemplifica.
Contudo, por outro lado, a regra também pode ser ruim para as contas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). “É um passo que contribui para muitas pessoas trabalhar na informalidade, caindo a arrecadação”, reflete.
Segundo Carrara, a questão da garantia de recebimento do salário mínimo é um ponto da reforma que deve resultar em aumento da judicialização por parte dos segurados. “Os direitos são retirados e geram revolta com os contribuintes que, por última alternativa, socorrem-se ao Judiciário para se defender”, prevê.
Acúmulo de benefícios
Outra mudança na reforma que tem relação com a pensão por morte consiste no acúmulo de benefícios. Atualmente, não há limite previsto.
Pelo texto aprovado da reforma, caso o pensionista tenha direito também à aposentadoria, o benefício de menor valor sofrerá um corte. O corte será proporcional e ocorrerá de forma escalonada, por faixa do rendimento. O segurado passará a receber apenas 100% do maior benefício a que tem direito, com acréscimo de apenas um percentual dos demais. O percentual é de 80% para benefícios até um salário mínimo; de 60% para entre um e dois salários; 40% entre dois e três; 20% entre três e quatro; e de 10% para benefícios acima de quatro salários mínimos.
“Essa mudança deve afetar principalmente as mulheres, que muitas vezes são maioria entre os pensionistas”, afirma Marcelise Azevedo, especialista em Direito Previdenciário e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados.
Para ela, a nova regra pode levar a um achatamento maior da renda dos beneficiários. “Hoje é permitida a acumulação de diferentes tipos de regime, como pensão e aposentadoria. Se uma mulher com aposentadoria de R$ 2.000 ficasse viúva do marido que recebia R$ 2.500, ela teria direito a R$ 4.500. Com a mudança, pela ótica da pensão, ela teria direito a 50% da aposentadoria do marido, caso não tivesse filhos, ou seja, R$ 1.250”, exemplifica.
Ainda de acordo com Marcelise, nessa situação, o valor do benefício seria ainda mais reduzido por conta da mulher já receber aposentadoria.
Badari ressalta que a reforma precisa ser concluída, mas deve ser para todos. “O Brasil precisa de uma adequação nas regras que já possuem mais de 20 anos. Porém, a reforma deve cortar privilégios e não direitos sociais mínimos como estamos vendo na pensão por morte. Se vai reformar, que seja para todos, não apenas para o pobre e os interesses políticos”, defende.