Esta semana, três das maiores economias do mundo anunciaram medidas para a desativação de suas usinas de carvão — Alemanha, Espanha e Japão. Ao mesmo tempo, o ministro de Minas e Energia do Brasil (MME), Almirante Bento Albuquerque, defende uma reativação da indústria carbonífera no país e incluiu a modalidade nos leilões A-4 e A-5 que deveriam ter ocorrido este ano, mas que foram postergados devido à pandemia de COVID-19.
Termelétricas a carvão são a fonte de energia mais poluente e ineficiente do mundo, e boa parte das nações desenvolvidas abandonou ou tem planos de encerrar essa modalidade. Esse movimento é impulsionado tanto pelo Acordo de Paris, que determina que cada país reduza suas emissões nacionais de gases causadores do efeito estufa, como para preservar a saúde das comunidades onde essas plantas estão instaladas.
Caso raro entre as maiores economias do mundo, a matriz elétrica do Brasil é predominantemente renovável — 63,2% hidrelétrica, 9,1% eólica e 1,7 solar. Completam a geração de energia as usinas nucleares (1,2%) e as termelétricas (24,9%), sendo que destas, 12% são movidas a carvão. Todas as plantas a carvão estão nos estado do sul do país, e desde 1973 dependem de subsídios federais — que em valores atualizados chegam a R$ 1 bilhão por ano. O Plano Decenal de Expansão da Energia brasileiro, o PDE 2029, prevê a desativação de térmicas a carvão por razões técnicas, econômicas e contratuais.
Apesar da baixa eficiência e dos problemas ambientais, sua eliminação vem sendo adiada por lobbies políticos. Com o incentivo do governo de Jair Bolsonaro, a bancada do carvão foi ressuscitada, com a criação em 2019 da Frente Parlamentar Mista em Apoio do Carvão Mineral, que reivindica, entre outras coisas, a remoção do veto do BNDES para financiamentos de usinas a carvão. O discurso das autoridades brasileiras sobre o assunto contrasta com o cenário global para o setor.
Transição justa na Espanha
Em 30 de junho, 7 das 15 centrais elétricas a carvão da Espanha, representando 5 GW de capacidade de geração, pararam de funcionar. Ao longo de 2020-2021, mais 4 usinas de carvão representando outros 3,7 GW se juntarão a elas. Em apenas alguns anos, a frota de carvão da Espanha passará de 15 usinas para apenas 3 – uma transformação rápida e sem precedentes que já reduziu pela metade a intensidade de carbono da eletricidade espanhola.
Entre as soluções adotadas está um acordo entre governo, empresas de eletricidade e sindicatos para proteger os funcionários afetados pelos desligamentos. O país criou o Instituto Just Transition, dedicado a apoiar a reconversão de regiões de carvão e a catalisar mudanças sociais e econômicas. Acordos de transição justa também foram conduzidos com ampla participação popular, reunindo propostas de atividades econômicas sustentáveis alternativas nas comunidades afetadas. Desde 2018, cerca de 600 milhões de euros foram destinados a apoiar esses projetos.
Outra inovação foi a criação de um tipo de licitação que faz as concessionárias competirem para acessar a conexão de eletricidade usada pela usina de carvão desativada. Ganha quem apresentar a maior quantidade de energia renovável nova. As decisões de acesso também levam em conta impactos sociais, ambientais e de emprego.
Os novos projetos de energia renovável estão impulsionando o crescimento econômico, algo bem vindo para o país que foi uma das economias mais afetadas pela crise de COVID-19. A transição justa do carvão levou ao rápido desenvolvimento de energia renovável no país, tornando a Espanha o maior mercado de energia solar fotovoltaica da Europa. A meta de atingir uma participação renovável de 74% no sistema elétrico até 2030 — acima dos atuais 46% — tem potencial para gerar 300.000 empregos.
“A energia renovável multiplicará por várias vezes o número de empregos perdidos em usinas de carvão”, afirma Laura Martin Murillo, diretora do Instituto Just Transition da Espanha. “O Ministério da Transição Ecológica está fazendo esforços sem precedentes para garantir que ninguém seja deixado para trás quando o carvão for finalmente parado na Espanha.”
“Queremos novos projetos renováveis construídos nessas regiões para que as comunidades que ajudaram a criar a prosperidade de hoje por meio de sua contribuição ao sistema de energia também possam fazer parte do futuro da eletricidade”, afirma Teresa Ribera, Vice-Presidente da Espanha e Ministra da Transição Ecológica.
Saída cara e tardia na Alemanha
O Parlamento alemão aprovou no dia 3/7 uma lei que rege a eliminação progressiva do carvão no país. A legislação determina que todas as usinas desse tipo devem ser encerradas até 2038, mas analistas avaliam que o rápido declínio da lucratividade do carvão obrigará uma eliminação muito mais cedo. A lei prevê um pacote de 40 bilhões de euros para a transição econômica das regiões carvoeiras.
Embora a decisão do maior consumidor de carvão da Europa seja significativa, ambientalistas alemães ficaram insatisfeitos porque a data para eliminação total não atende aos compromissos assumidos no Acordo de Paris. Outra polêmica está nos contratos entre o governo e as empresas de carvão, que acarretam pagamentos elevados de compensação e que não seriam justificáveis dada a má situação econômica das usinas.
Por isso, ambientalistas têm questionado se a transição cara e tardia do setor elétrico da Alemanha está alinhada com os requisitos da Aliança pela Energia do Carvão no Passado (Powering Past Coal Alliance, PPCA), da qual o país é membro. A Aliança é considerada como um “tratado de não proliferação” de combustíveis fósseis, com 104 países signatários, boa parte deles da União Europeia.
Meio passo à frente no Japão
O Japão fechará usinas de carvão ineficientes no país até 2030. É a primeira vez que o Ministério da Economia, Comércio e Indústria (METI) japonês apresenta um cronograma com metas claras para direcionar a eliminação gradual dessas unidades. Serão encerradas 100 das 140 usinas a carvão do país — todas pouco eficientes e financeiramente deficitárias. Restarão outras 10 usinas de baixo rendimento, que passarão por um processo de otimização.
O anúncio foi considerado por especialistas como um “meio passo à frente”, já que não se trata de um plano de zerar esse tipo de geração elétrica no país. Com isso, mais de 30 GW de energia de carvão permanecerão em operação mesmo depois de 2030, o que não está alinhado com as metas do Acordo de Paris.
“Para cumprir a meta de 1,5 – 2℃ do Acordo de Paris, países desenvolvidos como o Japão devem eliminar progressivamente todas as usinas a carvão até 2030, incluindo as usinas em construção ou planejadas, independentemente de sua eficiência”, avalia Mie Asaoka, presidente da Kiko Network, uma ONG dedicada à implementação prática do Protocolo de Kyoto no Japão.
“O Japão deve instituir uma política de retirada total da energia a carvão e tornar-se membro da Aliança pela Energia do Carvão no Passado [Powering Past Coal Alliance, PPCA]”, afirma Kimiko Hirata, diretora internacional da Kiko Network.