Temos vagas em tecnologia! Por que o país continua não formando profissionais suficientes para esse setor?

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O mercado de tecnologia vive hoje um triste paradoxo. Ao mesmo tempo em que há quase 13 milhões de desempregados no país de forma geral, grandes empresas não estão conseguindo preencher as vagas disponíveis dessa área. Apenas em TI, estima-se que tivemos de 150 mil a 200 mil vagas não preenchidas em 2018, de acordo com a consultoria IDC Brasil.

E a tendência é que o segmento não pare de crescer. Profissões como analista de dados, cientista de dados, desenvolvedor de softwares e aplicativos e especialista em e-commerce vivenciam um aumento de demanda que deve se manter, pelo menos, até 2022. Cientistas de dados, por exemplo, tiveram um aumento de demanda de quase 50% de 2017 para 2018, de acordo com uma pesquisa do PageGroup. Já a busca por desenvolvedores full stack cresceu 169% no último ano, de acordo com dados da plataforma de recrutamento digital Revelo.

O boom das startups, que dobraram no Brasil nos últimos seis anos, de acordo com um levantamento da ABStartups, é um dos responsáveis por isso, mas não apenas ele. O fato é que as empresas de tecnologia, justamente por sua natureza, vêm crescendo de forma exponencial, de maneira que o mercado e as instituições de ensino não esperavam. Isso acabou gerando uma crise entre a oferta e a demanda de profissionais qualificados.

O problema é ainda maior quando se fala em tecnologias de ponta, super recentes e com pouca gente utilizando. Como o setor renova constantemente suas ferramentas, esse gap entre vagas e profissionais é um problema dinâmico. Enquanto uma linguagem de programação está no auge, por exemplo, muitas pessoas passam a tentar se qualificar nela. No entanto, uma nova linguagem já surge logo depois e a corrida recomeça.

Curiosamente, porém, os brados de “temos vagas” das empresas Brasil afora parecem não estar chegando aos ouvidos dos estudantes, especialmente dos jovens do Ensino Médio. A busca por carreiras de tecnologia em universidades tem se mantido assustadoramente estável – e baixa – nos últimos dez anos. A lista dos cursos superiores com maior número de matrículas no país pouco mudou na última década. De acordo com o Censo da Educação Superior de 2018, os cursos mais buscados são Direito, Pedagogia, Administração e Contabilidade.

Uma das razões que ajudam a explicar este comportamento é o imenso gargalo que vivenciamos no ensino de matemática. Só 7,3% dos alunos atingem aprendizado adequado em matemática no Ensino Médio, segundo o movimento Todos Pela Educação. A falta de familiaridade com os números faz com que os jovens não se sintam confiantes na busca por carreiras de exatas, que exigem bastante esta habilidade.

Como consequência, o que temos em maior número no mercado são pessoas de outras profissões que, notando essa demanda, têm se dedicado à transição de carreira para a área de tecnologia. Esse movimento ajuda a atenuar um pouco as dores das companhias, mas exige delas também a disposição de ajudar a preparar esses profissionais para os desafios que vão enfrentar. As pessoas que trocam de carreira recomeçam sua jornada com um nível menor de qualificação, sem o importante background de conhecimentos que uma formação completa poderia proporcionar. Na maioria das vezes, a transição é bem-sucedida e gera ótimos profissionais. Ela só leva um tempo para acontecer e o mercado, de forma geral, está ficando sem esse tempo.

Paralelamente, as empresas de tecnologia têm encontrado formas para lidar com esse gap. A principal solução tem sido focar na contratação de pessoas de nível júnior e investir na sua formação dentro de casa, acelerando a carreira desses profissionais para que eles sejam capazes, em um curto espaço de tempo, de assumir cargos seniores. Na Movile, por exemplo, temos iniciativas como cursos de capacitação em tecnologia abertos ao público externo, parcerias com universidades e, para os profissionais já contratados, realizamos atualizações constantes, incentivamos a participação em eventos e temos programas de aceleração de carreira.

Cabe às organizações e aos profissionais já no mercado lutarem para preencher essa demanda e ajudar no avanço tecnológico do país. Enquanto isso, sonhamos com o dia em que, depois de astronauta ou cantor, crianças respondam aos pais que querem ser programadoras quando crescerem. Nós certamente precisaremos delas!

*Luciana Carvalho é formada em psicologia, com formação no Programa Executivo de Negócios da Universidade de Stanford. Tem vasta experiência em recrutamento e gestão de talentos. É Diretora de Gente no Grupo Movile, ecossistema de empresas de tecnologia líder na América Latina, onde está há mais de quatro anos.
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