O uso de plataformas online de mediação e conciliação de conflitos é um caminho eficaz para enfrentar a excessiva judicialização na área da saúde. Esta foi uma das principais conclusões do webinar Mediação na Saúde, realizado nesta quinta-feira (9/7) pelo Instituto Justiça & Cidadania.
Segundo estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), houve aumento de 130% no número de ações judiciais relacionadas à saúde no Brasil entre 2008 e 2017, saltando de 42.453 para 95.752 somente na primeira instância. “Existe hoje um grande volume de ações judiciais no Brasil relacionadas à saúde e o alto custo gerado com isso representa um desafio para o Poder Judiciário e agentes do setor privado. Em geral, são demandas contra o Sistema Único de Saúde (SUS) e contra os planos de saúde, como a requisição de novos remédios, procedimentos de alta complexidade e a requisição de leitos hospitalares” explicou o Presidente do Instituto Justiça & Cidadania, Tiago Salles, que fez a moderação do debate.
De acordo com o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Saldanha Palheiro, o impacto nos gastos com saúde atinge tanto o Estado quanto as empresas da saúde suplementar. “Dados do Ministério da Saúde indicam que, de 2010 a 2017, houve um aumento de 1.010% nos gastos da União com saúde pública, somente com a judicialização para compra de medicamentos. Neste caso, o Estado é obrigado a fornecer medicamentos por força de deliberações judiciais”, observou o Ministro.
Segundo ele, dados do Tribunal de Contas da União (TCU) confirmam esse avanço: de 2008 a 2015, as despesas do Ministério da Saúde com cumprimento de decisões judiciais saltaram de R$ 7 milhões para R$ 1 bilhão. No setor privado, disse o Ministro, o cenário se repete. “Dados da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) indicam que, em 2015, os gastos dos planos para o cumprimento de decisões judiciais foram de R$ 1,2 bilhão”, citou Saldanha.
Uma das causas do volume de processos e do gasto excessivo, no entendimento dos debatedores, está relacionada ao ativismo judicial. O Desembargador Cesar Cury, presidente do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), disse que a saúde suplementar está em um ambiente muito complexo, um mercado competitivo com margens estreitas para o operador. “O ativismo judicial torna esse ambiente ainda mais complexo. Faltam tempo e conhecimento para uma análise mais profunda, bem como uma perspectiva da consequência no mercado”, afirmou o magistrado.
Nesse contexto, Cury apresentou uma plataforma de conciliação online para casos na área da Saúde que promete resolver em até três horas conflitos entre clientes e operadoras na área de saúde complementar. “Estamos propondo um outro tipo de sistema, que consiga tratar efetivamente do conflito sociológico e do conflito real em um tempo adequado”, disse.
O projeto prevê que tanto o usuário quanto seu advogado, uma vez cadastrados na plataforma, recebam todas as informações relacionadas ao contrato. A partir da interação com o sistema, que é baseado em inteligência artificial e machine learning, o usuário tem parâmetros para tomadas de decisão escalonadas. “Dessa forma, a carência de informação já é imediatamente suprida com a identificação dos pontos reivindicados e o que apresenta o contrato”, explicou o Desembargador.
Mas, se mesmo assim não for possível uma solução, o sistema admite uma negociação direta, online, com o representante da empresa. “Se ainda assim não houver solução, há uma terceira fase que é o mediador online, que pode intervir para aproximar o diálogo; em uma quarta eventual etapa, o próprio sistema deriva para o atendimento presencial feito em ambiente extrajudicial, como uma câmara privada de solução de conflitos ou para um Cejusc (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania)”, completou Cury.
Nesse ambiente extrajudicial, o atendimento é diferenciado com a presença de um perito judicial que faz a análise técnica e ao final emite o laudo que vai subsidiar a mediação. A plataforma elimina chances de fraude, com um sistema de segurança que os próprios tribunais não são capazes de alcançar. “É uma experiência mais célere, segura e resolutiva. O projeto tem a perspectiva de solução de até três horas e a continuação para um atendimento presencial de até 48 horas”, resumiu o Desembargador, segundo quem a pandemia de coronavírus impactou no cronograma de implementação da ferramenta, mas há uma perspectiva de colocar o projeto piloto em prática assim que terminar a crise sanitária.
Relacionamento com o cliente
Para o vice-presidente da Qualicorp, Pablo Meneses, o sistema é uma solução para o grave problema da hiperjudicialização. “Em nossa companhia, o índice de judicialização é baixo, apenas 0,10%. Ainda assim não nos agrada”, afirmou ele.
A conciliação, disse Meneses, é um caminho mais vantajoso para as empresas porque proporciona melhora no relacionamento com o cliente. “A empresa tem que ser resolutiva, buscar uma solução para o cliente”, disse o executivo. Segundo ele, a Qualicorp tem uma área própria de conciliação e também uma ouvidoria para resolução das demandas dos clientes. “91% das demandas são resolvidas antes da judicialização por causa dessas ações”, explicou ele, garantindo que a Qualicorp vai aderir à plataforma em desenvolvimento pelo TJRJ. “Fazer parcerias é muito importante. Vamos aderir a essa plataforma porque, para nós, é importante fortalecer a resolução de conflitos”, finalizou.