O futuro do mercado e da tributação das apostas esportivas no Brasil

Por Elisa Tebaldi*

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Ao apagar das luzes de 2023, foi publicada a Lei nº 14.790/23 para, enfim, regulamentar as apostas esportivas de quota fixa – em que o apostador sabe, antes do resultado, a taxa de retorno – conhecida como BETs, além de tratar de aspectos relevantes em relação ao iGaming e fantasy sports, o esporte eletrônico no qual ocorrem disputas em ambiente virtual, a partir do desempenho de pessoas reais.

Após anos de intensa discussão entre os interessados, a regulamentação veio para impulsionar o setor, que já tinha empresas atuando no Brasil apesar da insegurança jurídica trazida pela lacuna legislativa, e trouxe importantes pilares para a atração ou, até mesmo, a expansão desses investimentos.

A tributação tem sido um dos aspectos mais debatidos desde 2018 e a definição de um “modelo ideal” nunca é tarefa fácil, especialmente diante das especificidades do mercado de apostas que, uma vez regulamentado, sofrerá concorrência tanto de mercados igualmente regulamentados no exterior, bem como de mercados não regulamentados e que atuam na irregularidade.

Em estimativa realizada no início do ano com base em estatísticas divulgadas pelo Banco Central, os gastos de brasileiros com jogos e apostas online seriam de aproximadamente US$ 11,1 bilhões, o equivalente a R$ 54 bilhões, no período entre janeiro e novembro de 2023, montante mais expressivo do que o que teria sido movimentado nas exportações brasileiras de carne bovina, por exemplo.

Visão Global

Em âmbito mundial, um relatório produzido pela H2 Gambling Capital com a International Betting Integrity Association (IBIA) e tido como inédito, apresentou que o mercado regulamentado global gerou US$ 74 bilhões de ganho bruto em 2019 (de US$ 490 bilhões em volume de negócios), com previsão de crescimento de até US$ 106 bilhões (de US$ 770 bilhões em volume de negócios) em 2025. 

Portanto, é um mercado que não poderia continuar sendo ignorado e sua boa regulamentação, fiscalização e tributação se tornaram imprescindíveis. Assim, o modelo de tributação, além de obviamente se preocupar com aspectos arrecadatórios, precisa ter como base a avaliação de experiências bem-sucedidas e sólidas no mercado global, em que a tributação atrativa se tornou um aspecto determinante na conversão do mercado offshore em onshore.

Em relação à base de cálculo, saímos de um modelo de tributação inicial sobre o Turnover (TO), ou seja, a receita total das apostas, para o Gross Gaming Revenue (GGR), em que há a subtração dos prêmios pagos aos apostadores da tributação das empresas, bem como da contribuição para a seguridade social (0,10% aplicável às apostas físicas ou 0,05% às apostas virtuais), que é o mais próximo ao praticado em outros países e que vinha sendo tratado com um dos pontos mais delicados pelo setor.

Com relação à alíquota – igualmente polêmica – houve a redução de 18% para 12%, de modo que as empresas poderão ficar com 88% do faturamento bruto para o custeio da atividade. Lembrando que as operadoras estarão igualmente sujeitas à tributação local aplicável a toda e qualquer empresa constituída no Brasil, qual seja: IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, no regime tributário escolhido (Lucro Real ou Lucro Presumido), além do ISS com alíquotas entre 2% e 5%, a depender do Município.

Regulamentação

Para obterem a autorização para exploração das apostas, as operadoras estarão sujeitas ao pagamento do valor de, no máximo, R$ 30 milhões de reais, a título de outorga fixa, considerado o uso de 3 marcas comerciais, pelo prazo de cinco anos. A regulamentação igualmente acompanhou a tendência favorável de mercados no exterior quando à não limitação no número de licenças concedidas, ampliando a concorrência no setor. E, além disso, haverá a cobrança de taxa de fiscalização, que incidirá de forma mensal sobre o produto da arrecadação, após as deduções das destinações previstas em lei e que poderá variar entre R$ 54.419,56 e R$ 1.944.000,00.

Com relação à tributação incidente sobre os apostadores (e aqui houve a equiparação do tratamento aos fantasy sports), definiu-se que a alíquota aplicável não será de 30%, e sim 15% sobre os prêmios líquidos, não sendo, entretanto, aplicável a isenção sobre a primeira faixa da tabela do IRPF. Como resultado desse modelo de tributação, a expectativa é que a arrecadação direta com as apostas seja de R$ 12 bilhões apenas em 2024, conforme estudos apresentados pelo Ministério da Fazenda durante a tramitação da regulamentação. Além disso, estima-se a criação de, ao menos, 10 mil empregos diretos e imediatos.

Mesmo com dados tão estimulantes ao mercado, a modelagem tributária proposta vem sendo criticada por alguns setores, especialmente de fumo e bebidas, no sentido de que a carga das apostas seria menor e que não haveria um desestímulo ao setor recém-regulamentado. Contudo, essas análises comparativas podem ser incoerentes.

O primeiro aspecto a se observar é a tecnologia e especificidades do setor de apostas. A aceleração dos jogos online tem possibilitado facilmente o acesso aos mercados externos, com a destinação de tributos para outros locais, além da evidente falta de regulação e fiscalização. Não bastasse a concorrência com setores igualmente regulamentados, há a concorrência com o mercado clandestino, que, diferentemente do fumo e bebidas, são facilmente acessíveis de qualquer lugar, e o desestímulo de acesso a tais mercados esvaziaria o próprio sentido da legalização das apostas.

O comparativo mais coerente seria aquele de acordo com o praticado no mercado global, tendo como base estruturas que já operam as apostas há anos e em que já foi possível observar o que funciona ou não. Nesse sentido, o relatório produzido pela H2 Gambling Capital com a IBIA demonstra que um modelo tido como referência é aquele que, além de disponibilizar apostas nos canais físicos e online sem limitação de licenças, possui medidas fortes e práticas de proteção aos jogadores, protocolos de integridade nas apostas, clareza em relação aos parâmetros de anúncios e patrocínios e uma tributação suficientemente atrativa.

Com base nisso, modelos tais como o da Polônia (12% sobre o volume de negócios – TO), Portugal (8% sobre o volume de negócios – TO), ou mesmo a França (GGR de 55% com um adicional de imposto sobre corridas e direitos esportivos), se tornaram quase proibitivos e não foram capazes de captar os consumidores inicialmente esperados. Por outro lado, os sistemas dos Estados de Nova Jersey, Nevada, nos Estados Unidos, ou Grã-Bretanha, que apresentam modelos tidos como competitivos (com GGR igual ou inferior a 15%), além de outros tributos aplicáveis sobre a operação, demonstraram forte índice de captação dos consumidores, sendo mais de 90% onshore, e alto número de operadoras, o que reflete na lógica do retorno fiscal esperado.

Dessa forma, somente um mercado robusto, competitivo e com consumidores protegidos será capaz de converter o mercado offshore e onshore, aumentando não só os investimentos advindos dos operadores e das empresas diretamente relacionadas ao mercado, gerando empregos diretos e indiretos, como a arrecadação tributária almejada pelo Governo. Portanto, a inobservância de modelos globais bem-sucedidos pelo legislador brasileiro seria contraproducente para atingir o objetivo da própria lei e para a maximização do mercado, que tem tudo para ser promissor no Brasil.

Sobre a Autora

*Elisa Garcia Tebaldi – advogada da área tributária do escritório Ambiel Advogados. Graduada pela PUCCAMP e especialista em Direito Tributário e Planejamento Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET/SP).

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