Nas últimas semanas, temos acompanhado a disputa acirrada entre os candidatos norte-americanos à presidência do país, em um processo que já é considerado por muitos analistas nacionais e internacionais como o mais significativo da história contemporânea dos EUA.
De um lado, o candidato republicano de extrema direita e ex-presidente Donald Trump tenta retornar à Casa Branca, fazendo uso de discursos inflamatórios e muito semelhantes aos que o levaram à presidência em janeiro de 2017.
Do outro, a atual vice-presidente Kamala Harris, democrata, ex-senadora e ex-procuradora do Estado da Califórnia, buscando superar seu oponente com a defesa da democracia, dos direitos das mulheres e de preservação de diversas pautas de justiça social.
Para os analistas norte-americanos, o entendimento é o de que o processo tem sido ainda mais complexo que o enfrentado pelo Presidente Biden, em sua disputa eleitoral com Donald Trump em 2020.
Malgrado os esforços do presidente democrata em unificar o país, a sociedade permaneceu profundamente fragmentada nos últimos quatro anos, e poucos foram os ganhos em termos de mitigação dos discursos de ódio dos republicanos de extrema direita, voltados sobretudo contra a população imigrante e aos que se dispõem a questionar os inúmeros ataques à democracia, sobretudo a partir da invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
Durante todo esse período, Donald Trump insistiu na não aceitação do resultado das eleições e seguiu em busca de sua candidatura para o pleito de 2024, mesmo após ter sido condenado criminalmente por um júri de Nova York por fraude contábil, ao ocultar um pagamento de US$ 130 mil para comprar o silêncio da atriz Stormy Daniels sobre seu relacionamento extraconjugal.
A lei norte-americana, vale dizer, não impede que um condenado criminalmente se candidate a um cargo público e de governar, caso eleito.
Por outro lado, a fragilidade física e mental do presidente Biden acabou levando ao rechaço de seus patrocinadores em manter seu apoio a sua candidatura à reeleição, o que o motivou a ceder seu lugar à vice-presidente Kamala Harris, que passou a ser a nova candidata do partido democrata à Casa Branca.
Harris assumiu esse lugar com determinação e sua candidatura arrecadou mais de 1 bilhão de dólares em doações, além de ter logrado arregimentar o suporte do governador de Minnesota, Tim Waltz, convidado pela candidata a compor sua chapa como candidato a vice-presidente.
No entanto, apesar de ter renovado as esperanças dos democratas em suas chances de vitória nas eleições, as pesquisas de opinião dos últimos dias mantêm um cenário de total incerteza quanto ao resultado. Os votos dos chamados estados pêndulos parecem ser mais decisivos do que nunca e grande tem sido a repercussão internacional desse cenário.
Para analistas brasileiros, as interpretações sobre a eleição do candidato republicano e da candidata democrata variam consideravelmente, sobretudo no que concerne aos seus efeitos para o Brasil.
Alguns avaliam que as relações entre Brasil e EUA pouco serão afetadas no caso de vitória de ambos os candidatos, dado que o Brasil não se insere no conjunto de prioridades estratégicas imediatas dos norte-americanos, os quais estão imersos em graves pautas internacionais, como a guerra na Ucrânia e os desdobramentos do ataque e sequestro de cidadãos israelenses pelo Hamas.
Contudo, outros analistas, dos quais nos aproximamos, os impactos da eleição de Donald Trump seriam bastante preocupantes para o Brasil, se considerarmos o passado de aproximação do candidato republicano com a extrema direita brasileira e suas recentes declarações sobre seu desejo de fortalecer a extrema direita na América Latina.
Nesse caso, não só os esforços do atual governo petista em preservar a democracia e reunificar o país seriam significativamente afetados, como isso levaria o Brasil a buscar um maior alinhamento com a China, o que representaria um precedente inédito na política externa brasileira.
Já no caso da eleição de Kamala Harris, a política externa brasileira atual encontraria um reforço importante em fóruns multilaterais, uma vez que a candidata tem por prioridade algumas das pautas tidas como centrais para o atual governo brasileiro como a preservação da ordem democrática, a proteção dos direitos humanos, a regulação dos meios de comunicação para o combate às fake News e a defesa do meio ambiente.
Em um movimento precipitado e politicamente equivocado, o presidente Lula manifestou nesse último domingo, dia 3 de novembro, sua ansiedade em ver o segundo cenário se concretizar, ao declarar seu apoio à candidata democrata nos pleitos que se iniciam nesta terça-feira.
Embora alinhada com sua agenda de política externa, a declaração do presidente pode gerar grandes desconfortos ao país, caso o candidato republicano vença a eleição, aumentando as tentativas de Trump de mitigar o avanço das pautas brasileiras em fóruns multilaterais e fortalecendo as alas conservadoras dentro do país, as quais entendem a democracia como um obstáculo ao avanço de seus interesses de poder.
Diante do cenário de indecisão, o que nos resta é aguardar e apostar que a paz, o diálogo e o multilateralismo prevaleçam, independente de qual for o resultado. Para o bem do Brasil, dos EUA e do mundo.