Sustentabilidade no setor de motocicletas elétricas vai além da eletrificação

A maior parte do impacto ambiental de um veículo acontece antes mesmo do primeiro uso

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Foto: Reprodução/ Freepik

Nos últimos anos, o termo “sustentabilidade” se tornou recorrente em diversos setores, incluindo o automotivo.

No entanto, especialistas alertam para o uso indiscriminado do conceito, muitas vezes associado, de forma simplista, à eletrificação dos veículos. No caso das motocicletas elétricas, essa equivalência pode gerar uma falsa sensação de responsabilidade ambiental.

Impacto antes do primeiro uso

Segundo Silvio Rotilli, CEO e cofundador da startup brasileira Auper, a maior parte do impacto ambiental de uma motocicleta ocorre antes mesmo de ela ser ligada pela primeira vez.

Ele cita cadeias globais de produção com longas rotas marítimas e rodoviárias, além do uso de materiais de baixa durabilidade e difícil reciclagem.

“Estamos falando de cadeias complexas que emitem toneladas de CO₂, além da origem, durabilidade e destino dos materiais envolvidos”, afirma Rotilli.

Logística e qualidade comprometem sustentabilidade

A ausência de regulamentações mais rígidas no setor de motocicletas elétricas favorece a importação de veículos com componentes de qualidade inferior, fabricados com estrutura não reciclável e transportados por longas distâncias.

Cada container com cerca de 30 a 40 motocicletas desmontadas pode emitir aproximadamente 4,22 toneladas de CO₂ apenas no transporte marítimo.

Rotilli alerta que o uso de peças frágeis e de baixo custo pode reduzir a vida útil dos veículos, levando a substituições frequentes e maior geração de resíduos. “Sustentabilidade também é garantir que cada peça dure, possa ser consertada ou retorne ao ciclo produtivo”, acrescenta.

Sustentabilidade deve ser sistêmica

Para ser efetiva, a sustentabilidade precisa ser considerada em toda a cadeia de produção, e não apenas no produto final. Isso inclui rastreabilidade de fornecedores, planejamento logístico com menor emissão de carbono, qualidade dos componentes e racionalização do número de peças utilizadas nos projetos.

Energia limpa e eficiência energética

O Brasil possui um diferencial relevante na matriz energética, com aproximadamente 86% da eletricidade proveniente de fontes renováveis. Esse cenário favorece veículos elétricos desde que os projetos estejam alinhados com princípios de eficiência e durabilidade.

Motores elétricos, quando bem dimensionados, podem atingir até 97% de eficiência energética, em contraste com a média de 15% a 30% dos motores a combustão. No entanto, iniciativas como o modelo de troca de baterias — popularmente conhecido como “battery swap” — podem comprometer essa vantagem ambiental, segundo Rotilli.

“O modelo de swap exige a circulação de um grande número de baterias adicionais no sistema, muitas vezes sem rastreabilidade ou uso otimizado. Além disso, transfere ao usuário a responsabilidade de cuidar de um componente que não é seu e sobre o qual ele não tem incentivos reais de conservação”, alerta.

A Mobilidade urbana e a “última milha”

Relatório da ONU-Habitat (2022) aponta que áreas urbanas são responsáveis por cerca de 70% das emissões globais de gases de efeito estufa. O transporte urbano, especialmente o voltado à “última milha” — trechos finais de entregas e deslocamentos — é um dos principais vilões.

Rotilli defende que a eletrificação da última milha só será ambientalmente eficaz se for acompanhada por uma cadeia produtiva sustentável. “Montar motos no Brasil com peças importadas por navios movidos a combustível fóssil é trocar um problema por outro”, diz.

Modelo de produção nacional e integrado

A Auper, empresa fundada por Rotilli, afirma ter estruturado uma operação baseada em três pilares: rastreabilidade de fornecedores, logística com menor impacto ambiental e uso de componentes duráveis e de alta qualidade.

“Desenhamos a cadeia produtiva do zero, com critérios ambientais desde a primeira decisão. Isso inclui desde a proximidade dos fornecedores até a engenharia voltada à redução de peças”, explica.

O executivo conclui que a sustentabilidade, para ser autêntica, precisa deixar de ser apenas um atributo de marketing e passar a orientar, de forma concreta, decisões em todas as etapas da produção, distribuição e uso dos veículos.

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