Uma das medidas mais controversas do início do novo mandato do presidente Donald Trump foi a suspensão temporária do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), a principal legislação dos Estados Unidos voltada ao combate à corrupção internacional.
A medida, oficializada por ordem executiva em fevereiro, determinou que nenhuma nova investigação com base na lei fosse iniciada durante um período de 180 dias, salvo em casos excepcionais a critério do Attorney General (equivalente ao Procurador-Geral).
Justificativa da suspensão
A ordem executiva justificou a decisão afirmando que, desde sua promulgação em 1977, o FCPA teria causado impactos negativos às relações comerciais dos Estados Unidos, contrariando interesses estratégicos do país. Durante o período de suspensão, o Departamento de Justiça foi incumbido de revisar diretrizes e políticas relacionadas à aplicação da lei.
FCPA continua em vigor
Apesar da suspensão temporária de novas investigações, a legislação permanece em vigor. Especialistas alertam que atos de corrupção praticados durante o período poderão ser investigados e punidos posteriormente.
A medida não extingue o FCPA, tampouco impede o avanço de investigações já em andamento.
Além disso, a ordem executiva não abrange a Securities and Exchange Commission (SEC), que, embora atue na esfera cível, também possui jurisdição sobre casos envolvendo o FCPA.
Estados norte-americanos mantêm suas próprias legislações anticorrupção. O Procurador-Geral da Califórnia, Rob Bonta, reforçou em abril que o suborno a agentes públicos no estado continua ilegal sob a Unfair Competition Law (UCL), e que essas práticas não serão toleradas.
Empresas estrangeiras seguem sob risco
A ordem executiva destaca que seu objetivo principal é proteger a liberdade econômica e a segurança nacional de cidadãos e empresas norte-americanas. Não há qualquer menção a garantias para empresas ou cidadãos estrangeiros.
Ao contrário, considerando outras políticas adotadas pela atual administração, há especulações sobre um possível endurecimento de medidas voltadas a atores internacionais.
Empresas brasileiras com vínculos com os Estados Unidos – como listagem em bolsas de valores, atuação por meio de subsidiárias ou outras conexões comerciais – permanecem sujeitas à jurisdição do FCPA, especialmente se novas diretrizes forem estabelecidas após o prazo de revisão.
Leis anticorrupção continuam em vigor no Brasil
Do lado brasileiro, a Lei Anticorrupção e demais legislações relacionadas ao combate a práticas ilícitas seguem em pleno vigor. Além disso, outras jurisdições vêm reforçando suas medidas.
Em março, uma conferência internacional em Londres reuniu representantes do Reino Unido, França e Suíça com o objetivo de fortalecer ações contra a corrupção transnacional, demonstrando que o movimento global pelo combate à corrupção permanece ativo.
No Brasil, a Controladoria-Geral da União (CGU) realizou no fim de março o Encontro Nacional de Investigação e Combate à Corrupção, com a presença de representantes da Advocacia-Geral da União (AGU), Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF), Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e Receita Federal (RFB), além de especialistas da Hong Kong International Academy Against Corruption. O evento promoveu o intercâmbio de experiências e estratégias de investigação.
Ainda em abril, foi firmado um Acordo de Cooperação Técnica entre CGU, AGU e MPF para fortalecer a negociação de acordos de leniência, oferecendo maior segurança jurídica às empresas que colaborarem com investigações.
Transparência internacional aponta desafios persistentes
Apesar dos avanços institucionais, o Brasil enfrenta sérios desafios na área. De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção 2023, divulgado pela Transparência Internacional, o país obteve apenas 34 pontos, sua pior avaliação histórica, ocupando a 107ª posição entre 180 nações.
Compliance e cooperação continuam sendo prioridade
Diante das incertezas sobre o futuro da aplicação do FCPA e da continuidade das medidas de combate à corrupção em diferentes países, especialistas recomendam que empresas brasileiras mantenham programas de compliance anticorrupção robustos.
A cooperação com autoridades e o reporte de atos ilícitos continuam sendo ferramentas fundamentais para reduzir riscos e garantir segurança jurídica, especialmente no cenário internacional.