O ambiente econômico brasileiro segue desafiador para empresas de diferentes setores. Juros altos, oferta restrita de crédito, carga tributária pesada e consumo instável têm levado muitas companhias a buscar alternativas para evitar a falência.
Entre essas ferramentas está a recuperação judicial, prevista pela Lei nº 11.101/2005, reformada em 2020, que permite renegociar dívidas, preservar empregos e manter a atividade econômica.
A recuperação judicial, porém, não é um mecanismo automático de salvação. O processo envolve etapas que exigem diagnóstico financeiro preciso, governança e negociação efetiva com credores. Especialistas ressaltam que o instituto só funciona quando há viabilidade econômica real e compromisso com a execução do plano.
Como funciona o processo
O primeiro passo é a análise da situação da empresa. Consultores e advogados avaliam endividamento, fluxo de caixa, ativos e passivos, buscando identificar se há condições de reestruturação. Caso o diagnóstico seja positivo, a empresa pode solicitar ao Judiciário o processamento da recuperação.
Se o pedido for aceito, inicia-se o chamado stay period, período de 180 dias (prorrogáveis por igual prazo) em que execuções, penhoras e cobranças ficam suspensas. Esse tempo funciona como uma janela para negociar com credores, sob supervisão do Judiciário.
Nesse momento, o juiz nomeia o administrador judicial, que atua como fiscal do processo, elaborando relatórios e acompanhando o cumprimento das etapas, sem assumir a gestão da companhia.
A empresa tem até 60 dias para apresentar o plano de recuperação, no qual devem constar propostas de prazos, descontos, formas de pagamento e medidas de reestruturação, como revisão de contratos e alienação de ativos. Esse plano precisa ser aprovado pelos credores em assembleia e, posteriormente, homologado pelo juiz.
Uma vez aprovado, o cumprimento das obrigações passa a ser acompanhado pelo administrador judicial e pelos credores. A execução costuma durar entre dois e cinco anos, dependendo do porte da empresa e da complexidade do passivo.
Governança como fator decisivo
A experiência recente mostra que a governança é determinante para o sucesso da recuperação judicial. Indicadores operacionais, controles financeiros e mecanismos de prestação de contas são apontados como ferramentas que aumentam a confiança dos credores e reduzem o risco de novos desequilíbrios.
Para além da formalidade legal, especialistas destacam que a recuperação judicial deve ser entendida como um programa de reestruturação — não apenas um processo jurídico. A credibilidade depende de dados consistentes, transparência e disciplina na execução das medidas propostas.
Glossário essencial
Com o aumento do número de pedidos — 1.346 apenas entre janeiro e maio de 2025, segundo a Serasa Experian —, alguns conceitos têm ganhado importância no debate público. Entre os principais:
- Requerente (ou recuperanda): empresa que pede a recuperação judicial, desde que comprove dificuldades financeiras, mas com chances de reestruturação.
- Stay period: prazo de 180 dias (prorrogável por mais 180) em que cobranças ficam suspensas, permitindo negociações.
- Administrador judicial: profissional indicado pelo juiz para fiscalizar o processo e acompanhar o cumprimento do plano.
- Credores: todos a quem a empresa deve — como bancos, fornecedores e trabalhadores. São divididos em classes, cada qual com direito a voto.
- Assembleia Geral de Credores: reunião na qual o plano de recuperação é discutido e votado. Pode aprovar, rejeitar ou modificar a proposta.
- Cram down: mecanismo que permite a homologação do plano pelo juiz mesmo contra a vontade de parte dos credores, desde que respeitados os requisitos legais.
Um caminho de reconstrução
Especialistas ressaltam que a recuperação judicial não é garantia de sobrevivência. O processo exige disciplina, cooperação entre credores e empresa, além de acompanhamento técnico contínuo. Quando bem conduzida, pode significar não apenas a preservação de um negócio, mas também a manutenção de empregos e da função social das companhias.